12.2.25

Diário de Bordos - Caminha, Alto Minho, Portugal, 12-02-2025

Uno, unidade são as palavras destes dias. Escamoteio a idade, não é para aqui chamada e pergunto-me a que unidade me refiro. Não existe unidade. O que há é unidades, esse infinito conjunto de pequenas coisas que nos define. Hoje cozinhei bastante. Fiz um escabeche para os carapaus fritos de ontem, fritei beringelas às fatias e nabo às rodelas finas. Tudo isto com muito azeite: a melhor cozinheira é a mais azeiteira, dizem os nosso vizinhos. Comprei feijão da Argentina e arrependi-me pouco depois, mas já era tarde para o trocar por feijão nacional. «É menos duro e coze mais depressa», disse-ne o senhor no mercado. Esqueci-me de comparar os preços, claro. Não sei porque me deixei ir na cantiga do homem. Prefiro produtos locais, o mais perto possível de onde estou mas não tenho explicação para essa preferência. Nada tem a ver com a salvação do planeta. Ele safa-se muito bem sem mim, obrigado. É uma das unidades, suponho. As beringelas é uma receita italiana, o escabeche árabe, os nabos não sei, o hummus que vou fazer amanhã é do Médio Oriente. Outra unidade. De manhã fui ao mercado, de tarde dormi e cozinhei. À noite escrevo e penso na unidade, neste ser uno que não sou. Sou muitos unos. Somos todos, claro. Já o Lartéguy dizia que todo o homem é uma guerra civil. São muitas, todas misturadas, uma embrulhada. Não gosto do Trump mas ainda gostava menos da outra. Unidade dividida. Este mundo chateia-me. A Ucrânia não devia perder a guerra, o Trump não devia ter nascido, Reagan e Tatcher deviam ter tido filhos.  Hoje li um texto (um post) de um conservador exultante com a chegada de Trump ao poder. Amanhã responder-lhe-ei, se a unidade e o uno me tiverem deixado. Não sei. Hoje fez menos frio. Tive de tirar a camisola para voltar para casa. Gosto tanto desta subida... A vida não pode ser só descidas. Ando a ver até onde chego em segunda. O objectivo é acrescentar dois metros a cada vez. Ou cinco, vá. Dois é pouco. Dez. Não sei. Os que forem. Espero ansioso a chegada da BH, mas ainda não é amanhã a véspera desse dia. Primeiro tenho de ir trabalhar a San Sebastián, no país basco espanhol e só depois poderei mandar vir as coisas de Palma. O que lá tiver ficado que agora quando voltarmos de lá já traremos muita coisa. Terça vou a Barcelona (na verdade é a Port Ginesta, fica entre Barcelona e Sitges) e daí seguimos para Palma. São as Primaveras a chegar, as duas, uma real outra metafórica. Unidades. Cada dia que passo aqui acho isto mais bonito e gosto mais das pessoas. A Coluer tem-se aguentado, mais coisa menos coisa. Eu também. Uno. Inteiro. Partilhado. Unidade. 

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Um dia perguntei a uma senhora se queria dormir comigo. Foi uma pergunta muito factual, muito simples, sem salamaleques nem tentativas prévias de sedução. A senhora era a secretária da S.,  então minha mulher. Vivia por cima de Lausanne, numa casa muito bonita, com um enorme jardim aonde o marido, que era muçulmano, plantava peras a partir das quais fazia a melhor aguardente de peras que me foi dado beber. Eu tinha lá ido dormir, já não sei porquê.  Provavelmente por causa de um trabalho qualquer. Também não me lembro do nome da senhora. Uns anos depois foi fazer um curso qualquer e tornou-se directora de uma instituição social. Deixou de ser secretária. Tinha imensa piada. Quando disse ao pai - protestante - que se ia casar com um muçulmano ele respondeu:

- Antes isso. Pior seria se fosse católico. 

O marido dela estava na Argélia, suponho. Era chauffeur de táxi. Nunca bebera nem uma gota da maravilhosa aguardente de peras que fazia, o que só demonstra os malefícios da intransigência e do fanatismo. As peras cresciam dentro de garrafas. Quando chovia interrompia o trabalho e ia a casa pô-las com o gargalo para baixo. Tinha sido dono de uma tipografia, mas com o advento do digital faliu. Acabámos de jantar - era uma cozinheira maravilhosa -  e eu disse-lhe:

- Vou deitar-me. Queres vir comigo?

Respondeu que não, obrigada e a coisa ficou por ali.

Quando cheguei a casa a S. pergunto-me se era verdade que tinha desafiado a outra e eu disse-lhe que sim.

- Mas foi só por gentileza, por boa educação. Sabia que ela ia dizer que não - acrescentei. 

Desatou a rir-se, eu também (mas menos. Acredito na importância da delicadeza e da educação) e fomos deitar-nos.

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Melancolia é uma palavra mais bonita do que depressão, apesar de ter mais letras e mais sílabas. 

Isto admitindo que designam a mesma coisa, ou uma coisa parecida.

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