7.5.25

A vida glamorosa de um delivery skipper (ou skipper de transportes, para o caso do M. M. ler isto)

Nunca gostei muito do verbo esmiuçar e agora que está gasto, puído e cheira a ranço, ainda gosto menos. O que é uma sorte, porque não era esse o verbo que pensava usar. Esse é destrançar, como em destrinçar mas aplicado a um cabo de três pernas. Estão todas entrançadas umas nas outras, o que convém a um bom cabo e destrinçar isto tudo requer um certo esforço.

Peguemos numa espicha e comecemos o trabalho. O MADRIGAL VI (repito que só a título excepcional digo o nome do bote, porque é tão bonito e faz-me tanto pensar no Livro Sexto do Gesualdo): cheguei a St. Martin no dia oito de Abril, convencido de que partiria por voltas de dia catorze. Talvez quinze, vá lá, porque um dos tripulantes - o cozinheiro - só chegaria a catorze. O barco tinha um problema maior, que é uma escotilha no costado e resolvi não sair sem ter aquilo substituído. Dez dias de espera, diz-me o representante da laguna. Hoje estamos a sete de Maio e a peça chegou ontem ao escritório da senhora. Hoje veio um funcionário da marca instalá-la e como por acaso é um milímetro maior (literal, não metaforicamente) do que a original, apesar de os números de referência serem exactamente os mesmos. Apesar de amanhã ser feriado o homem acedeu a vir trabalhar, pelo que com sorte sairemos ou no sábado à noite ou no domingo de manhã. Quase um mês depois da data prevista.

Entretanto, como o MADRIGAL VI estava cheio de problemas, pedi ao proprietário que me deixasse ir tratando deles, porque sempre era melhor do que ficar sentado à espera. O senhor disse que sim e passei duas semanas a trabalhar que nem um louco. Está quase tudo resolvido (o quase que falta são coisas que não vale a pena fazer aqui porque St.- Martin já não é a ilha barata do antigamente).

Enquanto trabalhava no barco tinha um acontecimento importante na minha vida pessoal a envenar-me os dias e as noites. Desse não falo, que isto é um diário, não é um confessionário.

Ou seja: neste momento temos os problemas do Lagoon 40 e os da minha vida pessoal. Porém, qualquer cabo que se preze tem três pernas. A terceira sendo um trabalho que para mim representava tudo o que quero para o fim da minha vida de mar, que a meu ver está ali à vista do próximo farol. Acontece que as tratações para esse graal se arrastavam, eu estava cada vez mais desconfortável com elas e no outro dia mandei os senhores passear. Estava farto e quando me farto perco a pouca paciência que me resta. Isso aconteceu ontem. Anteontem tinha feito uma breve pesquisa para substituir o trabalho (numa lancha catamaran de sessenta e sete pés, a quem possa interessar).

Hoje tinha três propostas de trabalho, das quais uma me interessava bastante - era no Panamá, fazer charter nas San Blas - e outra também - é uma lancha em Maiorca. O uso do presente do indicativo diz tudo, não diz? Diz. No Verão volto para Maiorca, trabalhar numa lancha não sei de que comprimento mas pouco me importa. E o trabalho no Panamá ficou de porta entreaberta para Outubro, quando acabar o charter na Sicília. Destrinçar isto tudo, meus queridos leitores, é muito mais complicado do que descrever as complexidades da mecânica das vagas ou destrançar ternamente uma senhora. 

É como destrinçar a vida, trança a trança, transa a transa.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.