12.7.25

Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 12-07-2025

«Vamos a um bar para esquecer», responde-me uma jovem senhora - por quem de resto tenho uma vasta admiração. Poderia passar horas a explicar-lhe que isso não é verdade.

E se for, não funciona. Talvez uma hora por cada ano de idade que nos separa?

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A noite acaba no meu quarto, com Leonard Cohen no telefone (sim, às vezes cometo pecados) e Legendario 7 Años no copo (ditto). Há muitos anos li uma porcaria qualquer segudo a qual as pessoas criativas não têm práticas muito repetitivas. Não são de se deitar cedo, por exemplo. Têm períodos de  ir para a cama com as galinhas intercalados com outros mais tardios; ou de beber rum de que não gostam; ou de ouvir música no telefone portátil. Se isso fosse verdade eu seria um tipo bastante criativo. Como não sou, não é.

Limito-me a pensar que há um fosso entre a monotonia e a vida; ou entre a repetição e a vida; «Où les routes sont tracées, je perds mon chemin.» (R. Tagore); «Rien n'est plus lent que la véritable naissance d'un homme.» (M. Yourcenar) Poder-se-ia quase mudar para: rien n'est plus lent que la naissance d'un homme véritable, não? Ou: rien n'est plus lent que la construction d'une vrai vie par un homme.» As variações são infinitas.

Como as horas, de resto. Pensamos que só há vinte e quatro delas em cada dia? Enganamo-nos, claro. Não sabemos sequer quantas vidas há em cada hora, em cada dia. Melhor limitar-nos a vivê-las, a fazê-la, tijolo a tijolo, hora a hora. Se são sempre iguais ou não pouco importa. «A repetição é um recurso do estilo», escreveu Nuno Júdice (aposto).

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Ou seja: oiço L. Cohen pela quinquagésima milésima terceira vez, bebo um copo de rum que não acho grande coisa e retardo o momento de me ir deitar porque não quero que se pense que vou sempre cedo para a cama. Às vezes vou tarde.

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Comprei um bilhete de avião para Lisboa. Isto é importante: é para daqui a três semanas, ou coisa que o valha. Para quem não comprava viagens com mais de três dias de antecedência não está mal. Deve ser essa treta da criatividade. Não se repetir. Mudar as rotinas. Etc.  

Mudar as rotinas de tal forma que essa mudança seja uma rotina.

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Ouvir música no telefone é muito cansativo. Espero conseguir resistir à tentação de comprar mais um par de colunas. 

Há quem deixe pedrinhas brancas para encontrar o caminho de volta. Eu deixo colunas, sempre se vêem melhor. Não tenho é caminho de volta, mas isso é outra história.

(Vindo de quem está a ouvir a música da sua adolescência.)

Joan Baez: Balada de Sacco e Vanzetti. Não tarda estou a ouvir o Geraldo Vandré. No tablet, tem melhor som.

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Pus um peito de frango a marinar: sumo de um limão, rosmaninho, sumac, pimenta verde fumada e sal. Amanhã veremos, como dizia o ceguinho à mulher - que não tinha papilas gustativas.

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