17.10.25

Privilégio, silêncio, sílabas

Olha, é muito tarde para dizer-te tudo o que não te disse até agora, não é? Não, não é. Mas não me ouvirias agora como não terias ouvido antes. Sempre teria falado no vazio, para o vazio, se falasse. Porém,  em vez de falar preferi fazer e balbuciar, duas coisas que parecem antagónicas - e são. Faço e falo baixinho, quase gaguejando, porque de qualquer forma ninguém vê, ninguém ouve. Sigo aquilo a que os franceses chamam mon petit bonhomme de chemin sozinho, quase sempre sozinho. Por vezes aparece-me um companheiro de viagem, uma testemunha, um ouvinte,  um co-piloto... mas são, foram, tão poucos. Não penses que é agora que vou começar a dizer-te o que nunca te disse.

Isso ficou para trás. Se fosse para dizer, falar-te-ia do que aí vem, não do que já foi. Se a vida fosse uma escada seria estranha: serras os degraus do princípio mas eles não te largam. Continuam lá. E os que aí vêm também, de resto: só que esses não sabes quais são, para onde te levam. Vives degrau a degrau, sílaba a sílaba.  

Vives. É um privilégio, uma sorte, um hausto.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.