22.1.04

Imagens do mar

A primeira vez que cheguei à Ilha de Moçambique. Quando fomos para a terra, o comandante A., que tinha lá uma amante "oficial", chamou um riquexó e disse ao homem que o puxava: "três horas, ouviste? Ai de ti se te vejo antes disso". E eu passei três horas a andar de riquexó pela Ilha, coisa que se fazia normalmente em pouco menos de uma hora. E agora, quando lá voltei, chorei ao ver a desolação daquilo.

A primeira vez que vi o Rochedo de Gibraltar. Em terra descobri que havia Crunchies e Coca-Cola. No Portugal de 1975 não havia um nem outro.

Gibraltar: preparar o punch a bordo dos barcos enquanto as raparigas iam trabalhar para os bares (à boa maneira anglo-saxónica, só as mulheres servem nos pubs). Quando elas voltavam, já estávamos hílares, de ír provando o punch que passava o dia a macerar ao sol.

Gibraltar: o bar dos soldados, que deixarei para outro post, quando e se encontrar o texto que já sobre ele escrevi.

Ceuta: o passeio de táxi na cidade com uma névoa que não deixava ver a mais de 50 metros. Concluimo-la para ajudar o chauffeur; não vimos rigorosamente nada da cidade.

Tuapse: a cena de pancada na rua, contra três russos. Pela única vez na minha vida bati voluntariamente nos testículos de um homem. Não bati: esmaguei-os.

Venezuela: os intermináveis quartos de seis horas, na asa da ponte, a fumar um enorme cachimbo cheio de erva. Só quando a lua estava cheia os quartos passavam depressa; não há melhor sítio para navegar no mundo do que as Caraíbas.

República Dominicana: uma das mais monumentais bebedeiras da minha vida, porque descobri que o rum era mais barato do que a Coca-Cola, e passei a beber só rum, enquanto uma banda de nove pessoas tocava para mim, único cliente do bar. O qual bar: um telhado de zinco suportado por meia dúzia de pilares, sem paredes, portas ou o que quer que fosse que tirasse a vista para a praia, os coqueiros e as senhoras que se banhavam.

A pairar nuns baixos a Norte de Quelimane, para pescar - "se temos que esperar na barra do rio, mais vale esperar aqui"- e água era tão límpida que se via o isco no anzol a mais de dez metros de profundidade.

Nacala, também por causa da limpidez da água, quando ia caíndo do cais porque vi os hélices de um navio começar a trabalhar e me assustei: a nitidez era tal que parecia que os hélices estavam fora de água.

Nacala e a inesquecível cena das mulheres em Nacala-a-Velha, que ficará para outro post.

A toalha encarnada à janela, em Dunkerque, para indicar que o almoço estava pronto, enquanto aprendia a fazer windsurf.

O trabalho com a equipe do Tour de France, ainda em Dunkerque, a primeira vez que soube o que era ser deus.

A entrada em Bere Island, com um nevoeiro cerrado, a navegar com GPS e a pensar até onde recuarão os limites do risco? E os 4 dias que lá ficámos, murados nesse nevoeiro, a beber Smithwicks, para mim a melhor cerveja do mundo, e a pensar que nunca poderia dar à R. aquilo que ela queria que eu lhe desse - mas a prometer que ia fazer os possíveis, ia tentar. E tentei.

Uma chegada a Dunkerque, sozinho, transido de frio, contra a corrente, a fazer um nó e a pensar que ia morrer enregelado. Cheguei às seis da manhã, atraquei no primeiro lugar que vi, e às oito tinha o dono do lugar a acordar-me...

Ainda em Dunkerque, as interrupções no trabalho do bar do Clube, para ir sair com quem quer que fosse que precisasse de um tripulante.

O atum que me deram em Ponta Delgada: tive que negociar para só receber metade, e mesmo assim fizémos 44 bifes de atum, 44. Convidámos o pontão dos iates todo, havia gente sentada nas nuvens, provavelmente.

A saída com o grupo do Patriarche também em Ponta Delgada, sem comida - e voltámos com o barco a abarrotar de peixe, o poço cheio de peixe-porco. À noite grelhámos o peixe no pontão, mais uma enchente de gente à volta do Aquarelle.

A semana nas Canárias a bordo do Chicragna, que qualquer dia vou buscar à Tunísia porque os donos mo ofereceram.

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