L. era um bocadinho do Mediterrâneo que tinha emigrado para o Canadá: os avós eram gregos, egípcios, italianos, judeus. Era muito alta e não muito bonita, mas tinha uma magnífica cabeleira encaracolada, e um olhar que poderia servir para ilustrar um tratado sobre a ironia.
Víamo-nos frequentemente nas festas, ou nas reuniões de coordenação, e nunca falávamos de nada que não fosse um história do dia, um comentário sobre qualquer coisa relacionada com o trabalho, uma piada (era uma feroz contadora de anedotas). Devo-lhe ter conhecido Bukavu, que é uma das cidades mais bonitas que jamais vi, e à qual retornei várias vezes, posteriormente.
Quando chegava a minha casa, à noite (as noites em que vinha, que não eram todas, nem mesmo muitas), L. começava a despir-se mal fechava a porta e dirigia-se imediatamente para o quarto.
Um dia tentei retê-la na sala:
- Devíamos falar um bocadinho não achas? de qualquer coisa, não interessa, mas falar - disse-lhe.
- Falar? Falar para quê? Cala-te e f...
Bukavu é uma cidade linda, construida na extremidade sul do lago Kivu. A sua beleza, ao contrário dos edifícios e das ruas, resistiu a 30 anos de africanização (seria mais politicamente correcto escrever Mobutismo? Que se lixe o politicamente correcto). Em Genève, o meu restaurante favorito (La Bourlingue, Ruelle du Couchant 9, tel. 022 735 1100) pertence a um senhor que viveu em Bukavu até aos 16 ou 17 anos. Foi também com L. que descobri o significado das festas judias, e a respeitar os feriados judeus.
Pouco tempo depois do meu regresso a Genève telefonei-lhe por causa do resultado do referendo sobre a independência do Quebec - como todos os "allophones" (ninguém imagina quanto gosto desta palavra, "allophones") ela era contra a independência (e eu também, claro - que sentido faz criar fronteiras onde não as há?). Pouco tempo depois do telefonema ela encontrou um pretexto qualquer e zangou-se comigo. Nunca mais a vi, lhe falei ou me lembrei dela, até há bem pouco tempo.
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