15.4.04

Pedro Tamen

"O mar é longe, mas somos nós o vento;
e a lembrança que tira, até ser ele,
é doutro e mesmo, é ar da tua boca
onde o silêncio pasce e a noite aceita.
Donde estás, que névoa me perturba
mais que não ver os olhos da manhã
com que tu mesma a vês e te convém?
Cabelos, dedos, sal e a longa pele,
onde se escondem a tua vida os dá;
e é com mãos solenes, fugitivas,
que te recolho viva e me concedo
a hora em que as ondas se confundem
e nada é necessário ao pé do mar."

"Não durmas, que há uma escada
Para uma noite maior.
Não morras, que há uma espada
Que mata com mais amor.

Pássaro de todos os ramos,
Ó minha esquina tão esquiva,
A verdade é que afirmamos
Pela dupla negativa.

Querer-te: não querer e não querer.
Não fugir: ouvir o vento.
Amar-te é nao me esquecer
Da minha casa e assento."

"Um filho como um verso: neste branco
do mundo, o universo. Nos cinco dedos
da mão todos os ventos, e a rosa
que os respira e dá, vertiginosos."

E, a terminar esta série de poemas, dedicados ao raio, um raio benigno, note-se, que também os há:

"Hoje trago-te o vento; eu sei
que mais não pode ser o que te der.
E calo-me; o resto já to dei,
ao teu sereno pasmo de mulher.

Hoje trago-te o vento, vento,
o que ele tem mudado para nós.
(O nosso passo antigo que era lento
juntou-nos de repente numa voz.)

Hoje trago-te o vento renovado,
o vento que de longe chegou cá:
em cada monte e esquina foi lavado

para chegar ao fundo do que há
nesta pobreza de hoje, e, cá chegado,
entrar na mão da carne que to dá."

"Nada a fazer, amor: tu és nascida
e eu também, por graça ou majestade;
de lados longe e de que portos parte
esta morte insolente e assumida
que se nos dá nos dando a maior parte
do pão que se mastiga e bruxo há-de,
além de miga, ser de vida a vida?"

"Só dos monstros devemos ter ciúmes ..."

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