1.11.04

Trapos velhos

Correspondência com um blog entretanto, lamentavelmente, desaparecido (Coluna Infame):

Um excelente artigo no Economist sobre o Rwanda: pesadelos garantidos. Corro buscar os Haikus e encontro um antologia do Celan - cela n'arrange pas les choses:

"Nous sommes proches, Seigneur,
Proches et saisissables.

Déjà saisis, Seigneur,
Engriffés l'un et l'autre, comme
Si la chair d'un chacun de nous était
Ta chair, Seigneur.

Prie, Seigneur,
invoque nous,
nous sommes proches.

Nous allions déviés par le vent,
noua allions nous coucher
aux mares creuses du marais.

Nous allions à l'abreuvoir, Seigneur.

C'était du sang, c'était
ce que tu as répandu, Seigneur.

Ça brillait.

Ça nous jetait ton image aux yeux, Seigneur.
Yeux et bouches sont si ouverts, sont si vides, Seigneur.
Nous avons bu, Seigneur,
le sang et l'image qui était dans le sang, Seigneur.

Prie, Seigneur, nous sommes proches."


("Tenebrae", numa tradução de Gabrielle Wittkomp-Menardeau). Na net há uma tradução inglesa muito boa. Mas não se deve ler Celan sem uma boa garrafa de whisky ao lado, ou sem a Casa do Largo perto.

Não gosto do Rwanda. No Burundi víamos passar os corpos no rio. Os que conseguiam escapar aos crocodilos, claro. Os crocodilos, que eram muitos, cresceram um metro num ano: o tamanho deles passou de seis metros em média para sete. Tornaram-se os maiores do mundo. Uma vez fui buscar uma criança que tinha sobrevivido três, ou cinco, dias debaixo de uma pilha de cadáveres numa igreja. Ninguém sabe quantos dias: a criança não falava. Tinha sido uma tia, apresentadora de um programa erótico na televisão suiça-francesa, que a veio buscar a Bujumbura. Não vejo televisão, quem me disse o trabalho da senhora foi um colega. Pergunto-me se ela continuou o programa, depois daquilo. Ou se a criança já fala. E se lê Celan (a aliteração é feia).

"Tout le monde dort.
Rien entre
La lune et moi."


Seifujo

Tenho sempre uma grande dose de má consciência quando vos escrevo: recomendo o botão delete. Por mim, vou ao canto da casa do canto.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.