4.10.06

Versailles

O chá é de pacote, o que devia ser punível com pena de torturas chinesas até ao fim dos tempos, e os scones estão, eles também, longe de corresponder à beleza do lugar, à beleza das duas jovens na mesa ao lado, à beleza, inclusivé, que deve ter sido aquela senhora velhota na sua juventude.

Pouco importa. O lugar é lindo, o serviço irrepreensível, e o tempo faz-nos, cada vez que aqui vimos, o favor de ficar à porta.

Ou pelo menos de tentar. A Versailles tem igualmente os melhores croquetes do hemisfério norte, e de uma grande parte do hemisfério sul. Porquê só de uma "grande parte do hemisfério sul", e não de todo ele? Porque é possível, se bem que pouco provável, que um cozinheiro chamado Jonas, de Moçambique, ainda esteja vivo, e ainda faça croquetes. Jonas fazia os melhores croquetes de todos os hemisférios, de todos os universos, de todas as galáxias. Eram pequenos, redondos e fofos, saborosíssimos, desfaziam-se na boca antes mesmo de ela se fechar.

E o Jonas era, para além de um excelente cozinheiro, uma excelente pessoa. Não fazia queixas de nós aos nossos pais, por exemplo. E tinha sempre qualquer coisa para nos dar, invariavelmente boa, qualquer que fosse a hora a que uma quantidade sempre imprevisível e inesperada de adolescentes esfomeados lhe irrompia pela cozinha dentro. Depois do 25 de abril, quando nos preparávamos para deixar Lourenço Marques, o Jonas queria vir connosco para a então (ainda) Metrópole, e o meu pai disse-lhe que não. Nunca até ao fim dos dias se recompôs dessa decisão, errada, erradíssima.

Nunca deixou de me surpreender que, no Out of Africa, fosse também o cozinheiro o empregado que a Karen Blixen (ou seria a Meryl Streep?) mais custou deixar em África, não trazer para a Europa.

Talvez não seja o tempo que fica à porta da Versailles; talvez seja só o presente, abençoada seja.

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