14.9.08

Jantar

Paradoxalmente, escolher um restaurante numa cidade que conhecemos é mais difícil do que numa que não conhecemos. Estas não estão cheias de memórias, e não lhes conhecemos as armadilhas.

A verdade é que me encontro frequentemente na situação, cansativa, de procurar um lugar para jantar. Deambulo pelas ruas, espreito um, rejeito outro, deixo-me finalmente tentar pelo restaurante que me envia os melhores sinais subliminares.

Os critérios são vagos, subjectivos, variáveis. Excepto hoje: entrei num bar agradável (velho estratagema) e pedi conselho. O primeiro restaurante que o senhor mencionou estava fechado; do segundo, não gostei: loufoque, com os empregados e o patrão vestidos com batas do tempo das avós (chamava-se Chez Mémé), uma música demasiado alta e uma decoração original, caótica, desestruturada - numa palavra, desadequado.

Optei pelo do lado, apesar de o nome não pressagiar nada de bom. Felizmente, o nome é um monumental erro de branding, e o jantar foi magnífico.

Na realidade, queria ir jantar ao chinês (vietnamita) que me ensinou a beber Mei Kuey Lu; ou ao Perroquet, a minha tasca baba-cool; ou ao 4 Sergents, o restaurante chic mais barato que jamais vi (abençoado seja o protestantismo). O chinês já não existe, tal como o Perroquet. O 4 Sergents está transformado numa armadilha para turistas; e os outros, todos os outros, estão demasiado marcados.

O Lopain'Kess é uma cave à vins que pertence a Fanny (uma senhora muito parecida com uma imagem de geometria descritiva) e a Laurent (exactamente o contrário). É um pequeno restaurante cheio de habitués, com uma música que a certa altura estava muito alta mas que alguém na mesa ao lado pediu para baixar - pedido esse prontamente atendido.

Alguns dos pratos (incluindo o que pedi) eram servidos em tábuas de madeira, o que me levou a pensar (o diabo espreita sempre, não descansa) na ASAE. Eu pensava que a ASAE fazia a fiscalização de normas da União Europeia, mas apercebo-me que deve haver países mais europeus do que outros; e que o nosso está, infelizmente, na vanguarda da Europa.

Excelente endereço para quem esteja de passagem em La Rochelle, a cidade mais protestante, burguesa e underrated de França (tudo o que é protestante é underrated. Porquê?)


Restaurant Le Lopain'Kess
6 rue Chef de Ville
La Rochelle
+33 546 410 1114

7 comentários:

  1. Luís, tem de nos desvendar os seus critérios de selecção de restaurantes, os «liminares» e os subliminares. Apercebi-me de alguns deles no seu elucidativo post de 5 de Setembro passado, «Um problema clássico», mas (ressalvado o das mesas demasiado juntas) são critérios que só podemos aplicar numa fase em que já não há hipótese de uma retirada discreta. Por enquanto, o único critério que tenho é o do primeiro atendimento: o pessoal não pode, definitivamente, fazer-me cara de «geometria descritiva». :-D

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  2. (risos)

    "Geometria descritiva"?, Luísa? Que cara é essa?

    P. S. Creio que o Luís não se coibe de sair quando não gosta, mesmo que a saída não seja discreta...
    :-)))

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  3. Luisa,

    sendo, como sou, fundamentalmente intuitivo, não me é fácil compilar uma lista de critérios objectivos, 100% seguros. Além de que procuro sempre adaptar o restaurante ao meu estado de espírito, tanto quanto à carteira - e se esta é facilmente quantificável e definível, já aquele varia um bocadinho, como a lua, o vento, ou a cor do cabelo das jovens actuais.

    Mas posso dizer-lhe que tendo a gostar de restaurantes que tenham uma carta original - arroz de pato, bacalhau à Brás e entrecosto grelhado, num determinado nível, e pato com laranja ou bife Wellington noutro afastam-me, de um modo eral; gosto de rstaurantes em que haja indígenas - do quarteirão, ou da cidade; e, na categoria dos intangíveis, que tenha pessoal bonito a servir. udo critérios, como vê, objectivos e que nos podem ajudar a não ter que sair discreta ou - como pretende a Fugidia - indiscretamente.

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  4. Fugidia: o Luís fala de uma senhora parecida com uma «imagem de geometria descritiva» e eu imaginei logo uma senhora muito magra, angulosa e cheia de riscos (ou sinais de que o tempo passa). Para mim, uma cara de geometria descritiva (centro-me na cara) é uma cara que também pode ser magra e angulosa, mas é, sobretudo, cerrada, severa, sem o desvio de um sorriso. Antipática, em suma. :-)

    O critério da «carta original», também já o tinha, Luís, bem como, de certo modo, o da categoria dos intangíveis, entendido o requisito «pessoal bonito» num sentido mais amplo (ou mais feminino), que o torna acessível. Mas o dos indígenas, não. E, de repente, também passo a achá-lo importante. Vou estar atenta. :-)

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  5. Gracias, querida Luísa :-)

    Luís... (risos)

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  6. Cara de geometria descritiva lembra-me a de um professor da dita disciplina que conheço... e que me faz bocejar ao fim de 5 minutos de conversa. Não associo a expressão a uma cara antipática, mas à cara de alguém muito chato. Seja como for, não é nunca um elogio.

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  7. Este comentário foi removido pelo autor.

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.