Já te disse, minha querida, que se um dia quiseres fazer um caldo verde, um gaspacho alentejano ou o seu primo mais pobre, e mais conhecido, andaluz; se tiveres uma terrível dor de cabeça, prenúncio da gripe que se anda a anunciar há dias; se o mundo em geral e os outros em particular te fizerem uma morgue parecer o Luna Park; se as minhas carícias, os meus beijos te parecerem muito longe, porque o estão ou - pior ainda - apesar de não estarem; se numa flor não vires mais do que um amontoado de cores esbatidas e formas abstractas; se abrires uma garrafa de Quinta da Cerejeira Colheita Seleccionada 2006 e do vinho apenas retiveres aquele corpo redondo que é, infelizmente, cada vez mais apanágio dos vinhos "nacionais" e não vires aquilo que nele há de bom: o nariz rico e complexo, o ataque, frontal e bem marcado, o sabor original (a fósforo, disse a senhora da loja, mas eu duvido, porque não gosto de fósforo e menos ainda no vinho), o final de boca longo, rico, preguiçoso; e, sobretudo, se de repente tudo isso te parecer sem importância, porque de repente sentes que ressuscitaste, ou vais ressuscitar - então, minha querida, vais à prateleira dos discos e escolhes a Sinfonia nº 2 de Mahler, se possível numa interpretação da Orquestra de Amsterdam dirigida por Otto Klemperer, com Kathleen Ferrier. Ouve-a atentamente; verás que o caldo verde ficou excelente, a gripe debelada e tu - tu ressuscitaste.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.