26.6.09

Beber, escolhas

Ontem bebi demais. É uma coisa que raramente acontece. Duas, três vezes por semana, no máximo. Mas ontem foi diferente: uma vez por ano, talvez.

Já aqui falei, decerto, da paixão imoderada que tenho por um cálice de Bailey's com uma gota de whisky, ou duas; e gelo, no verão. E da absoluta incapacidade de resistir a um bom Cuba Libre, nos bares em que há Cacique (infelizmente agora tem que ser feito com o velho; o novo está uma m... impotável). E da insensata predilecção por un Gin & Tonic, se for feito com Hendryck's e pepino, em vez do habitual Gordon's e limão.

Por causa disso ontem fui ao bar de um amigo meu e disse-lhe: quero um Bailey's; depois um Cuba Libre; e logo que a mentirita acabe, um G&T - como vêem, não preciso de lhe dar pormenores sobre o meu gosto. Ele conhece-o. - E quando o G&T acabar, recomeças: um Bailey's, um Cuba Libre, um G&T. E assim por diante, até eu dizer chega. Paguei-lhe logo 5 rodadas adiantadas (quem bebe para esquecer paga adiantado).

Devo dizer que tenho imensa dificuldade em escolher: sou o objecto de escolhas, mas nunca escolhi nada nem ninguém. Com as bebidas passa-se o mesmo: foram elas que me escolheram. Eu limito-me a dizer que sim. Ao que parece tenho os dois hemisférios cerebrais do mesmo tamanho, e igualmente amachucados. Isso vê-se, explicou-me uma jovem modista que nas horas vagas fazia coisas alternativas e tinha mamas perfeitamente simétricas, pelo tamanho dos braços: os meus são rigorosamente do mesmo tamanho, dizia ela.

Ou seja: não consigo decidir-me; quero tudo, e se possível ao mesmo tempo. Não sei quantas rodadas bebi: ainda não voltei ao bar. Sei que acordei há pouco com uma indescritível e inelutável necessidade de vomitar, coisa que fiz na casa de banho comum do meu prédio (moro num prédio antigo, que ainda tem casas de banho comuns, nos patamares intermédios).

Enquanto vomitava lembrei-me das admoestações dos meus vizinhos e deixei a casa de banho impecável. Pois bem: voltei para a cama e comecei a ter visões. Três garrafas de mão dada, penduradas do tecto, a dançarem um imaginário French cancan e a cantar "tens que escolher, tens que escolher". Estavam vestidas como as senhoras do Moulin Rouge que vão aos salões de turismo por essa Europa fora - isto é, muito pouco. Foi horrível - as garrafas cantavam mal, e se havia uma coisa que eu não queria ver eram garrafas.

Depois alinharam-se com prussiana precisão e começaram a desfilar à minha frente. Cada vez que uma delas passava, fazia uma vénia e dizia: "tens que escolher-me". Acabei por ir para o frigorífico - não é uma imagem: muitas vezes, quando não sei onde meter-me ou que fazer, tiro as prateleiras todas do frigorífico - de qualquer forma costuma estar vazio - e ponho-me lá dentro. Como sou friorento fico muito rapidamente em hipotermia - às vezes visto uma camisola, para atrasar um bocadinho esse momento. Quando estou quase a adormecer - é um dos primeiros sintomas da hipotermia - empurro a porta com violência. Até agora abriu-se sempre.

Desta vez custou um pouco mais, porque estava enfraquecido pela visão das garrafas penduradas no tecto. Mas enfim, lá consegui abrir a porta. E descobri que não gosto de beber. Nunca gostei, na realidade. Bebo e sempre bebi por mimetismo; ou assim.

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