10.8.09

Retratos sucintos* - M.

Pés
Costumava beijar-lhos, quando estávamos os dois na banheira. Os banhos acabavam invariavelmente com ela a dizer-me "estou pronta para receber-te", como se eu fosse um hóspede que tivesse chegado demasiado cedo ao jantar e estivesse à espera no café da esquina. Eu fazia-a esperar. Tinha uns pés muito grandes, com a pele espessa de quem anda frequentemente descalço. Brincava com a água ensaboada, com a mangueira do duche, com o espelho que estava inclinado e nos reflectia, duas cabeças loiras perdidas num mar de espuma.

Ventre
Era mais alta do que uns quatro centímetros. Tinha um ventre liso, infinito, que eu percorria com os olhos, os dedos, os lábios, os dedos dos pés, os joelhos, o meu próprio ventre. Era mãe de três filhos, mas nadava quase todos os dias, andava de bicicleta e a pé, fazia ginástica. O ventre era liso e musculado como o de uma adolescente. Era coquette. Não usava bikini; só fatos de banho de uma peça.

Coxas
Apertava-me com elas como se quisesse esmagar-me, ou prender-me para sempre. Mas foi ela que me deixou.

Cabelos
Ruivos, encaracolados. Punha-lhe as mãos no alto da testa e percorria-lhe a cabeça para trás. Era preciso um quebra-gelos, para lhe chegar à nuca.

Olhos
Verdes, alegres (a maioria dos olhos verdes são verde-triste). Foi por eles que descobri que me ia deixar. Um dia ficaram mais leves, soltos. Mais bonitos.

* e ficcionados, cela va sans dire.

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