26.10.09

Vaclav, Vasco, Valente

«Parece que, a troco de algumas concessões, o Presidente da República Checa, Vaclav Klaus, está finalmente - e presumo que muito contrariadamente - disposto a ratificar o Tratado de Lisboa. Até agora o homem tem resistido a uma eurofilia irritada, que não o percebe e que do fundo do coração o despreza. É um liberal impenitente e um discípulo confesso de Milton Friedman. Considera o aquecimento global um "mito", o "ambientalismo" uma "religião" e Al Gore um "apóstolo da arrogância". Detesta a esquerda e, particularmente, intelectuais de esquerda. Odeia o sentimentalismo de Havel. E, reeleito em 2007 pelo Parlamento, não depende da desaprovação popular. Mas, sobretudo, é um checo de Praga, coisa que a "Europa" ainda não conseguiu compreender. Ser um checo de Praga chega, e sobra, para desconfiar da "Europa". Em 1938, a Checoslováquia era a única democracia a leste da Alemanha. E era também a única potência militar capaz de opor a Hitler um obstáculo plausível. A Checoslováquia estava também aliada à França e à URSS. Mas foi - não há outra palavra - traída pela França e pela Inglaterra, que, em Munique, a entregaram, sem sequer a consultar, à Alemanha nazi. Como, a seguir à guerra, a entregaram a Estaline. A República Checa deve ao Ocidente 50 anos de ditadura. Não admira que lhe custe um pouco acreditar na íntima bondade de uma "Europa", em que precisamente a França e a Alemanha põem e dispõem. Vaclav Klaus explora, e representa, esse sentimento histórico? Com certeza que sim. Só que ele existe. Pior ainda, em 1945, a República Checa expulsou quase dois milhões de alemães do seu território. E teme, naturalmente, que, tarde ou cedo, as vítimas queiram recuperar o que perderam (ou parte do que perderam), à sombra de uma "Europa" supranacional. Os checos viveram até ao fim da I Guerra sob domínio austríaco, desde 1939 sob a ocupação do Reich e, pelo menos, desde 1948 sob o império soviético. É racional que recusem hoje qualquer espécie de ameaça, por remota que seja, à sua independência e liberdade. Vaclav Klaus pensa que Bruxelas (com ou sem o Tratado de Lisboa) acabará pouco a pouco por liquidar a democracia (que já não anda florescente) a favor de uma "pós-democracia" burocrática e autoritária e de um "europeísmo vazio". Talvez não se engane muito. A ameaça é real.»

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