25.2.10

Morte, vida

"O que é que eu sei da morte?" - pergunta muita gente, muitas vezes. Eu sei. Já estive morto, sei o que é. É fácil: é como estar num quarto e de repente a luz apaga-se. O quarto não tem janelas, claro - só assim a metáfora é verosímil. A vida também não, apesar do discurso do tempo tender para o optimismo desenfreado; "positive thinking", dizem eles, muito convencidos. Não se apercebem sequer de que é um oxímoro, "pensar positivo". Ou se pensa ou se é positivo. Os dois simultaneamente é impossível.

Enfim, não era disso que estava a falar. Era da morte. Morrer é fácil: basta apagar a luz. Mais difícil é ressuscitar. Uma vez ressuscitei num hospital. Pus-me a mijar - estive em coma cinco dias e como não me puseram uma algália não mijei durante esse tempo todo.

Quando acordei mal podia andar. As enfermeiras levaram-me à casa de banho, mas só mijei quando já estava de regresso à cama. Mijei de pé e fiz um lago de mijo enorme. Elas bateram palmas de contentes que ficaram. Afeiçoaram-se a mim durante os dias do coma, suponho. Também não há outra forma de se afeiçoar a mim: quando não estou morto ninguém me atura; ou talvez seja ao contrário: vivo não aturo ninguém.

No fundo não sei se isto me autoriza a saber o que é a morte. Afinal foi uma experiência passageira, temporária. E toda a gente me diz que a morte é definitiva. Não sei. Talvez. Acho que sim. No dia seguinte uma das enfermeiras fazia anos. Convidou-me para a festa a e acabei na cama com ela. Mas foi uma merda: um bom prenúncio da vida que me esperava.

A morte dura pouco tempo: entre morrermos e esquecerem-nos é um fósforo. A vida é que nunca mais acaba, essa puta.

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