9.9.10

Retomando

1 - Prioridades

Portugal aprovou recentemente uma lei sobre a mudança de género; e outra, há pouco mais tempo, sobre o casamento homossexual. A náutica de recreio - tal como, eu sei, muito outros sectores - espera há pelo menos trinta anos uma legislação adequada. Cada país tem as prioridades que merece, e o inalienável direito de ser pobre. Mas estes direitos não deixam, por vezes, de ser revoltantes.

2 - Bullshit (em inglês no original)

Abriu no Chiado uma Koni Store. É um espécie de fastfood com temakis, cujos preços rondam os 4 euros, 4 euros e meio. Ou seja, uma vez e meia o preço normal de um bom prego. Um temaki consiste numa folha de algas enrolada em cone, com um recheio de aproximadamente 85% de arroz e 15% o conteúdo escolhido: atum, salmão, camarão. Comi um de "Roast tuna" (por uma razão qualquer diferente de "atum grelhado") e bebi uma imperial, que vinha, apesar de eu ter dito que ia comer no local, num copo de plástico. Tudo isto por seis euros.

Pouco me importa o preço: não tenciono lá voltar. Mas não deixa de ser significativo que aquilo estava cheio de gente nova. Os portugueses estão tão receptivos à mudança que engolem a primeira aldrabice que lhes enfiam pela garganta abaixo, desde que tenha cores bonitas e um nome exótico.

3 - Depois do trabalho, e antes da casa

Fui petiscar à Casa do Alentejo: salada de polvo, favas, queijo. O sítio é obscenamente bonito, e àquela hora ainda mais. A luz entrava por ali dentro carregada com a poluição do dia, a humidade e já cansada de atravessar a atmosfera, que ao fim da tarde é mais larga, como se sabe, do que ao meio-dia. Parecia uma fotografia a preto e branco com alguns toques de cor, aqui e ali.

Só faz pena o estado lastimável daquela casa. As nossas instituições habituaram-se a viver à conta do Estado, e foram incapazes de gerar receitas para a manutenção. Ou então dedicaram-nas a outras coisas, vá saber-se.

4 - Leitura

Continuo a ler "Passage to Juneau", de Jonathan Raban. É a minha última grande descoberta, que devo a uma leoa querida (última no sentido de mais recente; espero ter muitas mais como esta). O livro é o relato de uma viagem num veleiro de Seattle, onde o autor reside, a Juneau, no Alasca, pelos canais e ilhas da Colômbia Britânica. Tenho um amigo que uma vez passou lá um verão, a pescar salmão num navio de pesca: já sabia da beleza rude do lugar, da inacreditável força das correntes, dos ursos e dos lenhadores. Mas visto com a enciclopédica cultura de Raban, descrito com o seu talento, aquilo deixa de ser uma viagem de barco, e transforma-se numa viagem, tout court. Uma magnífica viagem - há momentos em que os adjectivos são imprescindíveis - pelas arte e cultura índias, a viagem de Vancouver (o capitão inglês que nos finais do século XVIII explorou a região), a morte, a literatura. Um livro sublime.

5 - Portugal (é inevitável...)

Há dias fui comprar um charuto à Havaneza (Romeu y Julieta nº 1 - é o indicado para quem não fuma um há muito tempo); quando lá cheguei a loja estava fechada, mas mesmo assim as senhoras deixaram-me entrar (se calhar alarmadas pelo meu ar de aflição, não sei). Noutra ocasião entornei a garrafa de vinho que trazia num saco ao balcão da Ginginha (Sem Rival, cela va sans dire). O senhor Coelho limpou aquilo com o sorriso habitual e quando lhe pedi desculpa respondeu que só era pena entornar vinho "tão bom" ("pelo menos cheira bem" explicou, pois não o tinha provado, nem visto o rótulo). Eu gostaria que Portugal fosse um bocadinho menos português às vezes; mas espero que nunca se transforme numa Alemanha, ou Suíça.

6 - Conversões

Vejo frequentemente nos jornais montantes em escudos convertidos directamente em euros, sem qualquer espécie de actualização ou de menção à inflação. Nos jornais generalistas essa asneira enfurece-me; nos económicos deixa-me literalmente possesso. Ontem foi no Negócios: referia-se ao primeiro salário de Amorim como tendo sido de "500 escudos (dois euros e meio)". Bolas, não há limites?

1 comentário:

  1. ...depois de ler no teu blogue a frase, "mas espero que (Portugal)nunca se transforme numa Alemanha, ou Suíça", já posso dormir descansada. A razão desceu em ti como se fosse o Espírito Santo.

    beijo,
    Maria

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.