Há dias em que amanheço assim, Karla, que queres, nada a fazer. Nem um desses teus sublimes broches, minha querida, nem imaginar-te em cima de mim como se eu fosse a tartaruga e tu o mundo, nem uma das tuas mamas numa das minhas mãos, sinergia mais do que perfeita neste mundo imperfeito no qual, tu bem sabes, as insónias só aparecem à noite, nunca à hora da sesta, excepto nos dias como hoje, Karla, em que nem uma sesta conseguirei dormir e muito pensarei, minha querida, nos teus gritos nas tuas mãos no meu cabelo no teu olhar a dizer-me “desculpa, não te amo como tu me amas” nas tuas mãos sôfregas na minha pele, nas minhas mãos na tua, doce e acolhedora como uma casa aberta ao vento, como uma casa na qual o vento se passeia como as minhas mãos na tua pele ou as tuas na minha, nada me tira desta tristeza, eu sei, Karla, dias que começam assim só acabam contigo em mim ou comigo em ti, somos tão intercambiáveis, não é, Karla?, qual de nós por cima qual por baixo qual ao lado de que lado vá lá saber-se tão pouco importa, o que eu me lembro Karla de ti tão molhada, tão molhada que eu me perguntei se não me teria enganado e não estaria a penetrar-te pela pele adentro, pela alma toda, pelo corpo e perguntei-me “como vou sair daqui?” Nunca mais saí, Karla, tu sabes disso, não sabes?, nem tu sairás de mim, uma maçada, esta coisa dos corpos que não se largam, não se largam mesmo quando já não se vêem.
E não é agora aqui, Karla, nesta goeleta que construí para ti na qual navego parado num porto qualquer da Tasmânia, na África do Sul, na Namíbia, na Rússia, Karla, na Rússia, não é agora aqui, não será nunca aqui nem ali que eu te verei em mim e dormirei, finalmente, apaziguado, saciado, satisfeito, em paz.
Só num corpo há paz, não é, Karla?, os corpos são o repositório todo da paz toda do mundo e sem corpos não há paz, por muito que tergiversemos, Karla, por muito que nos lembremos do mar, esse mar onde tanto nos amámos, tão leve que tu eras e em cada cava de cada vaga eu entrava em ti e em cada crista tu em mim e assim fomos até à Irlanda, até Ushuaia, até Hokaido, tu em mim na crista eu em ti na cava.
Uma goeleta, Karla, uma goeleta de 60' que eu construí para ti em madeira porque madeira é o complemento directo de mar; aço, alumínio, fibra de vidro são complementos indirectos, Karla, uma goeleta de 60' na qual nos amámos e amámos cada vaga, tão ligeiro era o nosso amor fazia rir até as nuvens, essas putas e reputas madres, como dizia o argentino, reputas madres que te pariram.
Ainda hoje estou para saber porque me deixaste em Buenos Aires, eu e a goeleta, eu perdido numa tasca de San Telmo a beber brandies e a ouvir-te, como num filme, “adeus, até logo”, Karla, que queres que te diga?, ainda hoje estou para saber porque me amaste – és a única por quem nutro a mesma dúvida à chegada ou à partida, não sei porque chegaste nem porque foste e hoje amanheço triste e penso em ti. Ou terei pensado em ti ainda a dormir e por isso o dia?
Interessa-me pouco, Karla, os meus dias são feitos de respostas, não de perguntas. De azul do mar alto, de verde acinzentado dos portos, do delicado e complexo dourado de um rum velho, de um reflexo irónico nos olhos castanhos de uma pequena a quem eu explico que a última coisa que quero é amá-la; - bastaria que ela se deitasse ao meu lado, de costas para mim para não me ver, e me deixasse acariciar-lhe as mamas enquanto me liquefaço em recordações e choro mil vezes o teu nome, a tua pele, a tua língua na minha como se a noite começasse na minha nuca, por dentro.
Reputa madre que te pariu, Karla, que nunca mais um dia será noite para mim, nem uma noite dia, até voltarmos àquela tasca em San Telmo e tu desceres o degrau de entrada em marcha atrás, como se nunca tivesses saído e eu pudesse tranquilamente continuar a apreciar-te as coxas o ventre as nádegas as mamas os lábios o nariz os olhos – e o olhar, Karla, esse olhar tão irónico tão verde que me dizia “fode-me, por favor; mas não me faças amor, que estou farta de amor até aos cabelos” enquanto me puxavas para o sofá do primeiro andar do café e onde qualquer pessoa podia entrar enquanto eu te fodia, mas não te fazia amor, porque tu estavas farta de amor até à ponta dos cabelos.
Buenos Aires, Karla, Buenos Aires – é lá que vais aparecer, fodida mas não amada. Ou lá ou no mar, na crista de uma vaga, face ao vento e à vida, essa puta que te pariu. E eu no mar, que é a minha puta.
E não é agora aqui, Karla, nesta goeleta que construí para ti na qual navego parado num porto qualquer da Tasmânia, na África do Sul, na Namíbia, na Rússia, Karla, na Rússia, não é agora aqui, não será nunca aqui nem ali que eu te verei em mim e dormirei, finalmente, apaziguado, saciado, satisfeito, em paz.
Só num corpo há paz, não é, Karla?, os corpos são o repositório todo da paz toda do mundo e sem corpos não há paz, por muito que tergiversemos, Karla, por muito que nos lembremos do mar, esse mar onde tanto nos amámos, tão leve que tu eras e em cada cava de cada vaga eu entrava em ti e em cada crista tu em mim e assim fomos até à Irlanda, até Ushuaia, até Hokaido, tu em mim na crista eu em ti na cava.
Uma goeleta, Karla, uma goeleta de 60' que eu construí para ti em madeira porque madeira é o complemento directo de mar; aço, alumínio, fibra de vidro são complementos indirectos, Karla, uma goeleta de 60' na qual nos amámos e amámos cada vaga, tão ligeiro era o nosso amor fazia rir até as nuvens, essas putas e reputas madres, como dizia o argentino, reputas madres que te pariram.
Ainda hoje estou para saber porque me deixaste em Buenos Aires, eu e a goeleta, eu perdido numa tasca de San Telmo a beber brandies e a ouvir-te, como num filme, “adeus, até logo”, Karla, que queres que te diga?, ainda hoje estou para saber porque me amaste – és a única por quem nutro a mesma dúvida à chegada ou à partida, não sei porque chegaste nem porque foste e hoje amanheço triste e penso em ti. Ou terei pensado em ti ainda a dormir e por isso o dia?
Interessa-me pouco, Karla, os meus dias são feitos de respostas, não de perguntas. De azul do mar alto, de verde acinzentado dos portos, do delicado e complexo dourado de um rum velho, de um reflexo irónico nos olhos castanhos de uma pequena a quem eu explico que a última coisa que quero é amá-la; - bastaria que ela se deitasse ao meu lado, de costas para mim para não me ver, e me deixasse acariciar-lhe as mamas enquanto me liquefaço em recordações e choro mil vezes o teu nome, a tua pele, a tua língua na minha como se a noite começasse na minha nuca, por dentro.
Reputa madre que te pariu, Karla, que nunca mais um dia será noite para mim, nem uma noite dia, até voltarmos àquela tasca em San Telmo e tu desceres o degrau de entrada em marcha atrás, como se nunca tivesses saído e eu pudesse tranquilamente continuar a apreciar-te as coxas o ventre as nádegas as mamas os lábios o nariz os olhos – e o olhar, Karla, esse olhar tão irónico tão verde que me dizia “fode-me, por favor; mas não me faças amor, que estou farta de amor até aos cabelos” enquanto me puxavas para o sofá do primeiro andar do café e onde qualquer pessoa podia entrar enquanto eu te fodia, mas não te fazia amor, porque tu estavas farta de amor até à ponta dos cabelos.
Buenos Aires, Karla, Buenos Aires – é lá que vais aparecer, fodida mas não amada. Ou lá ou no mar, na crista de uma vaga, face ao vento e à vida, essa puta que te pariu. E eu no mar, que é a minha puta.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.