5.3.11

Livro de Bordos - 4

Uma embarcação há-de ser bonita: com uma feia fazem-se as mesmas coisas, mas dá menos gozo; e graciosa: a graça é um dom, e quem dá recebe; e rápida: a rapidez é a inteligência de quem anda no mar, sempre foi; e leve: ainda está para nascer a vaga que afundou uma rolha; e fina: "il n'y a jamais assez de mer pour les visages aigus des bateaux".

Uma embarcação de vela há-de ter duas velas à proa, porque um homem tem duas mãos; e ser boa bolinadora, porque a descer todos os santos ajudam: é a subir que se vê quem é quem e o que tem no peito. Uma embarcação há-de ter alta a proa, porque é a cara, erguida; e saber sorrir, porque o sorriso apazigua; e acolhedora, porque é um ventre, e aos ventres não se pede nada, se não que nos acolham.

Foram-se embora ao meio-dia e meio, no meio de grandes sorrisos e abraços e promessas de memória eterna. Dizem que gostaram muito do meu trabalho, e eu penso que trabalho devia estar entre aspas.

Volto ao apartamento das janelas e do vento, do qual daqui a seis dias estarei de novo longe. Os meus livros, os que me restam, passaram mais tempo em sacos Migros do que em estantes; uma embarcação há-de ter espaço para uma biblioteca.

É Carnaval no Marin. À frente da minha casa tenho uma festa popular. Mais vale aprender a dançar.

PS - A citação é de le Clézio.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.