1.6.11

Gaudência

"Foder é bom; foder bem é melhor".

Conheci Gaudência no Botequim da Graça, numa noite em que C. lá dizia contos eróticos. Cheguei bastante cedo e sentei-me numa mesa muito perto do "palco". Gaudência chegou já a sessão tinha começado. Pediu-me com um gesto para se sentar à minha mesa e sentou-se ao mesmo tempo.

Daí até à cama dela foi um passo. Posteriormente apercebi-me de que tudo estava a um passo da cama dela; desde a cadeira do dentista a uma bicha de supermercado nada nem ninguém (desde que fosse homem) ficava a mais de um passo da sua cama.

O pai, um mulato de Cabo Verde que se interessava por etimologia e pensava saber tudo sobre o tema (não sabia nada de nenhum) impusera aquele horroroso nome à miúda porque "tivera muito gáudio ao fazê-la" - nas noites em que bebia de mais - ou porque "assim temos a certeza de que ela terá uma vida satisfeita" - nas outras, cada vez menos frequentes.

Aos 19 anos Gaudência resolveu assumir o nome e começou a "foder desalmadamente - isto é, sem alma; mas com energia e aplicação". Coincidiu com a vinda para Lisboa (a família morava no Algarve, onde o pai dava aulas num liceu e a mãe, uma transmontana que também dera aulas, antes de se casar e cansar se queixava do calor).

Crescera perseguida pelas inúmeras e maldosas piadas sobre o nome; dar-lhe a volta "por baixo" foi uma libertação (a fase do "por baixo" não deve ter demorado muito a passar, mas enfim). Gaudência não sentia a mais pequena sombra de afecto por qualquer dos homens que levava para a cama e despachava logo que suspeitava neles a nascença, ou a presença de uma atracção por ela.

(Cont.)

Sem comentários:

Enviar um comentário

Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.