28.6.11

Obrigado. Não

A mulher era um chaço como eu nunca vi. O quarto não tinha cama de casal: eram duas camas de uma pessoa lado a lado, com um rebordo de madeira que pouco mais permitia do que a posição do missionário. A casa era grande e com uma vista bonita para o Tejo.

Foi na cozinha que de manhã, quando acordou, ela me encontrou, sentado num banco a ler o jornal da véspera. Já não sei quem disse "nunca me deitei com uma mulher feia; mas já acordei com muitas". Imaginem o meu susto: quando fôramos para a cama, na véspera, eu já sabia que ela era feia.

Mas não tinha casa para dormir nem dinheiro para comer; se o jantar fosse bom a sobremesa podia ser o que Deus quisesse (que não seria diabólica já eu sabia. O Diabo tem bom gosto). Ela queria mais; queria uma matinal, "para começar o dia em beleza". Disse-lhe que não podia, a idade não me permitia aventuras repetidas.

Estava a ver a página dos empregos. "Sabes trabalhar com Excel?", perguntou-me. "Sei". "Nesse caso, se quiseres tenho um emprego para ti. Não posso pagar muito, mas ficas aqui em casa e pelo menos a renda e a comida não pagas".

Agradeci-lhe efusivamente. Quando ela estava no duche peguei no meu saco e fui-me embora. Deixei-lhe um bilhete que dizia "Obrigado. Não." Prefiro a maldade da beleza à bondade feia.

Ou a liberdade esfomeada à prisão saciada, não sei.

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