24.2.12

Carta aberta

Meu caro gatinho,

São seis da manhã e tu andas aqui pela rua a miar lancinantemente, provavelmente porque estás com fome. Não sei, não percebo nada de gatos. Mas percebo de vidas, e algo me diz, na maneira como andas, como investigas tudo, como olhas para mim, que estás com fome. Não há um milímetro de ti que não grite "estou com fome".

Eu queria dizer-te, meu caro, que de nada serve miares. Se queres comer aprende a caçar; és novinho mas se tens idade para andar sozinho na rua também tens para aprender a caçar. Miar, aqui, não te vai servir de nada. Na melhor das hipóteses  suscitará alguns risos alarves; na pior ainda alguém te trucida, para fazer "uma boa acção". Cala a boca, meu caro, cala-a depressa.

E toma atenção, não passes de caçador a caça num ápice, que é como elas acontecem. É que caça e caçador somos todos, sempre; mas passar de um para o outro é um abrir de olhos e fechar de boca. A cidade é dura, tens muita concorrência e a vida não está para rookies.

Esquece que és novinho, de nada te serve a juventude (ou infância, mais provavelmente). Se tiveres muita sorte encontrarás um tipo simpático que tomará conta de ti; se tiveres muito azar, um imbecil qualquer matar-te-á, para mostrar a si próprio e aos outros quão imbecil é. Não contes muito com uma e defende-te do outro. "Espera pelo melhor e prepara-te para o pior", como dizem os marinheiros ingleses (e se calhar não são só os marinheiros, vai lá saber).

Deste teu amigo,

L.

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