30.12.12

Redhook Bay, USVI, EUA, 29-12-2012

Christmas Cove é uma baía relativamente grande no sotavento de uma ilhota das USVI.

O dia acaba muito devagarinho. E., o armador, dorme no poço; C., a mulher, nada com G., um jovem suíço que começou por pedir boleia em Miami para as ilhas e acabou por se tornar indispensável. Ou quase, que isto de gente indispensável estão os cemitérios cheios, como dizia o Napoleão.

Pela primeira vez desde que cheguei a Miami tenho um momento para mim. É curto, mas vale ao menos a maravilha que é: o vento a cair, o sol também, a praia deserta com o verde a encher-se de cor-de-laranja. Estamos numa bóia, perto da praia. As bóias estão bastante afastadas umas das outras. A sensação de paz só não é total porque descubro - ou relembro? - que não há paz com distância. Só contigo ao lado estou em paz.

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Não sou muito dado a Natais, nunca fui. Mas o de 2012 vai ficar-me na memória: bolina cerrada (assistida pelo motor, sem o qual S. não bolina nem folgado) frio, chuva e aguaceiros, o vento a mudar como um boxeur bêbedo, duas paragens do dito cujo motor, um incêndio a bordo (o primeiro da minha vida) - combatido logo no princípio, ainda só havia fumo, acre e tóxico -. Foram precisos dois extintores (pequenos) para lhe pôr fim. O piloto automático avariou, o motor tinha uma fuga de água, não tínhamos frigorífico nem gás de cozinha. Se é isto um Natal.

O sol pôs-se; daqui a meia dúzia de minuta será noite. Os nadadores voltaram para bordo, encantados com a variedade e quantidade de peixes; em breve serão horas de começar a preparar o jantar.

(Peitos de frango marinados em sumo de lima, chipotle, noz moscada e "épices boucanées"; cebola frita muito lentamente com "graines à roussir" e bois d'Inde).

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A mecânica do erro é uma coisa misteriosa: um gajo pode saber que não é o primeiro e não será o último, que não há quem não os faça, que isto e aquilo. "But it still sucks", como tão bem resumiu G., o jovem suíço que todos os dias revela um bocadinho mais de qualidades.

Fiz uma asneira de palmatória, um erro de principante, de bater com a cabeça nas anteparas (a bordo não há paredes) até a partir em mil bocados - sabendo que isso não apaga a vergonha, só a atenua.

De maneira estamos de novo fundeados em Redhook Bay, de onde saímos hoje de manhã depois de uma intervenção do mecânico, à espera do mecânico. Por minha causa, minha única e exclusiva causa, cansado ou não.

A verdade é que estou exausto, e saber que tenho três dias entre este "charter" e o próximo não ajuda. O próximo é curto; pode ser que depois consiga descansar.

Hoje mandei a diaba ao diabo e bebi gin tónico, painkillers, rum; até metade de uma cerveja bebi. Felizmente era Budweiser e só consegui beber metade. Já de painkillers vou servido. Quatro metades. Não há dor que resista a esta mistura de rum,sumo de ananás e de laranja e leite de coco (mais pormenores aqui).

Há: mas não importa.

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A rapariga é novinha, quase tem as faces rosadas da Paulinha do Baralto de há 34 anos. E faz-me pensar na empregada de bar de New Orleans de há 35. Em comum têm pouco: ser americanas, loiras e jovens. E trabalhar num bar ao qual vim parar por acaso. Em New Orleans o que primeiro me atraíu foi a música - era boa, não aqueles enlatados para turistas que se ouvia na Bourbon Street. A rapariga veio por acrescento. Simpatizámos - ela estava a trabalhar ali para juntar dinheiro e prosseguir a sua viagem para o sul; eu estava de regresso a Portugal, o fim de uma viagem que me fizera ver, logo desde o início, não ser feito para a marinha mercante.

Um dia fomos (o primeiro-maquinista e eu, calhara levá-lo lá) abordados por duas senhoras bonitas e, mon Dieu, avenantes. Falámos muito, bastante - até que a minha amiga se sentiu na obrigação de me avisar que não eram mulheres. As senhoras eram homens, afinal.

Elizabeth - é o nome da empregada que nos serve - é mais jovem, mais naïve: e mais tudo o que é menos.

Pouco me importa. Daqui a pouco volto para bordo, dormir em cima da asneira que fiz hoje. Hoje é um erro atroz. Amanhã será uma história.

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