23.12.12

Puerto Plata, República Dominicana, 22-12-2012

A primeira vez que vi a costa cubana quase não a vi: umas sombras ao longe (não era assim tão longe) durante o dia e algumas luzes dispersas, à noite. Gostaria de ter visto mais. A minha história tem uma longínqua e indirecta relação com Cuba.

Jovem oficial da Marinha Mercante, o meu Pai fazia uma linha que transportava açúcar de Cuba para Londres. Penso, mas não tenho a certeza, que as grandes plantações estavam no sul do país; eu passei pela costa norte. Pouco importa. De qualquer forma quero um dia parar aqui e conhecer a ilha. Se possível depois da morte de Fidel Castro - ou melhor durante, para poder celebrá-la in loco.

Em Londres, a minha Mãe estudava enfermagem. Uma amiga comum apresentou-os, e um ano e alguns meses depois eu nascia, primeiro de cinco irmãos. Somos vagamente irmãos; o meu Pai morreu, a minha Mãe há muito que não é enfermeira. Da Cuba de Baptista, onde o meu Pai carregava açúcar e resistia aos assaltos das herdeiras dos grandes plantadores (se não tivesse resistido, eu seria um outro qualquer, provavelmente a viver na Miami de onde larguei há quatro dias) ficou uma costa que mal se vê, luzes dispersas, e uma tristeza difusa. Gostaria tanto de falar com Ele hoje sobre Cuba, sobre os portos onde ia e que eu quero visitar, e mais uma série de coisas que não ficaram por dizer, mas ficaram por comprender, de parte e outra.

Depois de Cuba veio Haiti. Ainda tinha menos luzes, e quando o vento mudou e passou a SE trouxe com ele um cheiro a madeira queimada que me assustou. Não era o cheiro de um incêndio, mas o de lenha que se queima para cozinhar, um odor que conheço bem de Moçambique, do Burundi, do Zaire. Eram três da manhã, e apesar de a Lua estar em quarto crescente a noite era negra de breu: vinha chuva, e para vante a escuridão era tal que não distinguia a linha da costa, a escassas duas ou três milhas.

"Quem raio está a cozinha em terra a esta hora? E para quantas pessoas? Porque não vejo a luz do fogo?" Acabei por me habituar; deve ser o cheiro da terra, tal como o Algarve tem o seu, tão bonito, quando se dobra o cabo de S. Vicente. Ou a Córsega, tão parecido com o do Algarve. Cada região deve ter um cheiro específico, embora só nos apercebamos de alguns, por causa do vento e da ausência de outros cheiros.

O teu, por exemplo, que tanta falta me faz, pela manhã antes do do café, e pela noite, antes do do sono.

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Vamos fazer uma escala técnica em Puerto Plata, na República Dominicana. Para fazer bancas, velha expressão da marinha mercante que significa meter combustível. O meu Pai gostava da vida de mar, e só a deixou a contragosto - a minha Mãe tem uma certa capacidade de persuasão, quando quer. Dessa vida trouxe com ele o vocabulário - durante dois anos disse "vamos fazer bancas", ou "vou guinar a estibordo (ou a bombordo, claro)" ou - a minha favorita - "vou atracar ali" quando guiava o automóvel; um hábito adorável (pegar no prato de sopa e levantá-lo para comer) que fazia a minha Mãe dar-lhe pontapés se por acaso acontecia durante um jantar de cerimónia e muitas histórias. Não me lembro de nenhuma passada aqui.

Eu tenho uma, demasiado longa para contar agora. Mistura uma praia, uma cabana com um banda a tocar merengues, uma simpatiquíssima família local, alguns ouriços e muito rum. E um maço de cigarros Marlboro cheio de erva até acima, coisa que me poderia ter mandado para a prisão "quinze anos, antes de ser julgado" avisou-nos o Capitão antes da chegada.

Apanhei uma das maiores bebedeiras da minha vida e a erva voltou intacta para bordo - risco dobrado.

Desta vez não tenho motivos para grandes aventuras - vai ser chegar e meter combustível, se a bomba ainda estiver aberta. Ou passar uma noite tranquila, caso contrário.

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Caso contrário. Como temia a bomba está fechada; abre amanhã às oito da manhã.

A marina é um horror, tanto tanto técnico como estético, de um kitsch como já há muito tempo não via. Felizmente é pequena.

Os locais endinheirados prezam-na muito, para os aniversários, casamentos e outras festas. Num dos dois restaurantes havia uma celebração; por coincidência - ou porque estávamos demasiado cansados para procurar o outro - foi lá que jantámos.

Não é efeito, ou defeito, da memória: as pessoas são realmente adoráveis, simpáticas. Mas o restaurante não servia um único prato local. Só pechisbecadas - mexicanas, brasileiras, alemãs - sem qualquer interesse.

Penso no restaurante que uma das minhas irmãs teve no Alentejo, que só servia comida alentejana aos fins-de-semana: "os alentejanos não saem de casa para comer comida alentejana", explicou-me R., com uma lógica imparável.

Mas a lógica devia considerar a localização; um restaurante - por sinal sublime - em Viana do Alentejo não devia servir para explicar um outro, medíocre, numa marina da costa norte da República Dominicana.

Ou talvez sim. 

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