Faz um ano que cheguei a English Harbour - o lugar de onde, mesmo tendo saído, parece que nunca cheguei a sair. Neste ano aprendi mais sobre mim do que em todos os anteriores. Acredito que, se não tivesse feito esta viagem, a viagem que fiz (e continuo a fazer) dentro de mim não me teria levado tão longe. Os passos são curtos, mas não são em volta. São degraus que subo e desço e às vezes uso para descansar.
As pessoas que viajam não são melhores do que as outras, mas muitas das que tenho conhecido querem tanto sê-lo que só essa vontade as torna melhores. No outro dia falava dos meus dilemas (apercebi-me recentemente de que não tenho problemas dignos desse nome) a um viajante que me dizia «agora que começaste nunca mais vais parar», para ilustrar a minha inquietação. Há coisas que só os viajantes percebem. Não sei o que fazer da vida, mas isso parece não ter muita importância. A maior parte das pessoas que conheço limita-se a fazer o mesmo de sempre, torna-se o medo de mudar. Creio que a permanência sem sofrimento só funciona na ignorância ou na extrema humildade. Passei os limites da primeira e a última é, ainda, apenas algo a que aspiro. Desisti de querer a felicidade instantânea. É como o amor eterno, não existe. Que seja, como diz Vinícius, infinito enquanto dure.
Uma ovelha faz "Méééé"´e F. responde pensando que alguém disse "Hi!". Partilho o quarto com ela (a F., não a ovelha); poupo na renda e ganho na companhia -- é simpática, inteligente, bonita e engraçada. Graças a ela, no entanto, o meu português está cada vez pior. Em compensação, o meu português do Brasil está cada vez melhor. É outra língua. Penso na inevitabilidade que é o disparate do acordo ortográfico. O sotaque e o vocabulário brasileiros são totalitários, entranham-se na gente como cheiro de lenha queimada. Para desintoxicar, hoje pus-me a ouvir Amália e chorei. Estou a reler A Relíquia e rio, sem poder explicar aos outros de quê. Gosto de quando o totalitarismo vem de dentro. Só falo em português do Brasil com a F. porque há o João, o Tom e o Vinícius - e, confesso, o meu amor recente, Caetano).
Antígua está perigosíssima. Nunca vi uma concentração de gatinhos por metro quadrado tão grande. Com olhos e cabelos de todas as cores, ingleses, americanos, suecos, alemães, israelitas, australianos e mesmo antiguanos, imediatos, marinheiros, mecânicos, carpinteiros, veraneantes, bons dançarinos... enfim, um desassossego. Manter-se fiel aqui é modalidade olímpica, mas os atletas parecem, Deus me perdoe, não querer lograr o pódio.
Por falar em gatinhos, tenho muito más notícias. O gato Lager morreu. Ficámos todos inconsoláveis. A C. não quer mais gatos no Reef Gardens, teve de tomar a decisão de o abater por causa de um filho da puta de um tumor no estômago. Soube da notícia pelo B., que voltou do Canadá e continua a passar os dias a fazer quilómetros andando de um lado para o outro na Pigeon Beach, uma praia com apenas 300 metros. O cão mais gato que conheci está, pois, enterrado num canteiro do Reef Gardens. Decerto continuará, feito vento, a dar patadas nos mosquitos e a pedinchar comidas e afectos.
Nao sei se era necessario teres feito uma peritonite...
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