Como os amores verdadeiros as verdadeiras viagens começam, mas nunca acabam (e têm vários começos, mas isso é outra história). Por isso nunca poderei dizer "esta foi a minha última viagem". Talvez, quando morrer, "estas são as minhas últimas viagens". Ainda é cedo para pensar nisso; já morri muitas vezes, e ressuscitei outras tantas. Mas só viajei uma vez. Começou teria eu quatro ou cinco anos e fui de avião de Lisboa para o Porto. Ainda tenho vagas reminiscências desse aventura, para mim. Fomos, a minha mãe e eu ter com o meu pai a Leixões. Foi a minha primeira viagem, pelo menos que me lembre; ainda não acabou.
Hoje passámos, M. e eu o dia a trabalhar na papelada na importação do ARCTIC FRONT para a Costa Rica. Ainda não mencionei a demência que é a burocracia na América Central. Não me apetece. Faz-me lembrar o Portugal de outros tempos - com uma diferença simpática: aqui os senhores (e senhoras) vêm a bordo. Na verdade a reflexão ocorreu-me por causa do escritório e do trabalho: prefiro de longe trabalhar sentado a uma mesa a reparar (foi a tarefa de ontem) encanamentos de água quente. Quanto ao escritório é o mesmo de Puerto Vallarta, com algumas diferenças, poucas: a) as Margueritas aqui são intragáveis; b) não é à beira de uma piscina, mas de uma ria; c) estamos na Nicarágua e não no México.
Tudo o mais é semelhante, a começar no nome do restaurante (Palapa, em ambos os casos. Quer dizer palhota, ou coisa próxima); e a acabar na beleza do local e no prazer que é aqui trabalhar.
Fizemos quase tudo o que era preciso, incluindo digitalizar todas as páginas de todos os passaportes da tripulação - esta exigência não é habitual, suponho que seja devida à importação do barco. Toda a papelada deve ser entregue em quatro ou cinco cópias, mas isso vou pedir à secretária do advogado que M. contratou na Costa Rica para fazer.
Falta o último passo, pequenito, para que a viagem se transforme noutra viagem. Talvez seja esta a diferença entre os amores e as viagens: estas transformam-se noutras; aqueles não. Acumulam-se, mas não mudam nem morrem.
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Adenda: acabo de descobrir a bebida nacional da Nicarágua, uma fascinante mistura de rum, xarope de goiaba, sumos de laranja e limão. Chama-se Macuá, está ao nível da melhor Marguerita, levou o meu nível de açúcar para o céu (ou pelo menos para lá perto). O açúcar não foi sozinho, é preciso acrescentar.
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