À primeira vista o restaurante não deixava prever nada do que ia acontecer: vazio, móveis do mais kitsch que há, decoração abominável, música a soma dos dois, televisões em todos os cantos. Mas dizia-se argentino, e eu arrisquei pedir um bife muito mal passado. E mal passado ele veio, ao fim de meia hora de espera. Quase três dedos dos meus de altura, quase de se cortar sem faca, quase cru. Bem acompanhado por um Shiraz / Malbec e pelo silêncio, quando finalmente me fartei e pedi à empregada, invocando a minha qualidade de cliente único, que baixasse a música (ela percebeu e apagou-a).
A Posada Boqueteña näo merece uma hora de avião, mas vale facilmente os dez minutos a pé desde o hostel onde o acaso me hospedou.
Boquete fica a mil e duzentos metros de altitude. O governo panamiano quer promovê-la como destino de montanha, fresco. De fresco tem pouco: ao fim de cinco minutos de marcha às onze da noite o meu casaco de linho beige, comprado com grande sofrimento em S. Francisco torna-se supérfluo; mais cinco e é preciso tirá-lo. Mas montanha é, sem dúvida. Ouve-se o correr da água ao longo das ruas (para alguma coisa serve a chuva, os riachos estão a abarrotar) e vêem-se luzinhas a tremelicar nas alturas - não são estrelas, o céu está completamente nublado.
Saio do restaurante a pensar nas saudades que tenho do Ca na Chinchilla, da 5ª Puñeta, do Lizarran. Ah, Palma, que primeiro me encheste o coração e mo roubaste depois!
Boquete não é particularmente bonito nem particularmente interessante. Escala de mochileiros, como o Panamá todo parece ser (enfim, o que eu conheço, bem pouco; e exceptuando a cidade, muito mais do que isso).
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Quarta-feira atravesso o Canal do Panamá. Para celebrar a ocasião comprei um livro sobre a sua história; ao que parece o livro sobre o Canal, o documento, o monumento. Foi publicado em 1976 mas continua a vender-se como pãezinhos quentes. Chama-se Path Between the Seas, é de um senhor chamadp David McCullough e lê-lo é uma delícia.
Uma vez mais se confirma que há coisas nos países que não mudam. Quem conhece isto apreciará decerto o seguinte excerto: "The point that he [George M. Totten, um engenheiro americano que participara na construção do caminho-de-ferro do Panamá e acompanhou de Lesseps na sua (de Lesseps) primeira viagem ao país] does seem to have stressed - the great lesson to be learned from his experience - was that everything, everything, had to be brought to Panama, including the men to do the work". Isto em 1879.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.