20.8.13

Shelter Bay Marina, Shelter Bay, Panamá, 19-08-2013

M. chamou-lhe "travessia demoníaca"; foi muito mais do que uma travessia, mas nada menos do que demoníaca. E foi, para mim, o momento de viragem: ou volto ao meu former self ou sou esmagado por um bando de demónios sem freio, bêbedos, vingativos, medonhos.

O refit correu mal. Saber que no Panamá nada corre bem não me alivia a suspeita de que poderia ter feito melhor. No caminho o motor voltou a aquecer; vários episódios depois queimei a junta de cabeça. Ficámos dois dias (três noites) fundeados em Gamboa, a meio do Canal. Quando chegámos a Colon não pudemos ir para a Marina devido a um daqueles conjuntos de circunstâncias nos quais uma delas ser domingo parece a mais fácil de resolver. Ou seja, mais uma noite fundeados.

De manhã levantámos (enfim, a tripulação levantou, sem motor não há guincho) ferro; avisei o Canal de que ia atravessar para o lado Oeste, à vela; que esperasse, responderam-me, "há tráfico a chegar". Estou a ver o navio que aí vem; nada disso, "vem outro atrás que vai atracar. Espere onde está".

Vale tanto a pena discutir com a Autoridade do Canal do Panamá como contestar a presença de uma baixa pressão num sítio qualquer, pelo que esperei. De tal maneira que a certa altura me enfiei num navio ali fundeado. Os estragos não foram maiores porque o Artie é uma espécie de cofre-forte flutuante. Quando finalmente consegui atravessar o vento caíu - não sem antes perdermos o dinghy (recuperámo-lo, claro).

Há uma frase qualquer em francês que diz "boire le calice jusqu'à la lie" (ver aqui. Literalmente poder-se-ia traduzir por beber o cálice até às borras). Esta travessia foi a lie. As borras. A borrada final. O ponto final. Tenho sorte com a tripulação, nunca é de mais dizê-lo. Aqui fica o meu obrigado, M., N., G.).

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Para além do impacto destas coisas no meu por assim dizer estado de espírito há outra vantagem nisto tudo: cada vez é mais seguro que o futuro da Make Fast Yachting está na mistura mágica de Caraíbas e Mediterrâneo, Antigua e Palma. Já nelas vivi, já pelo menos numa delas morri: que mais querer para ter a certeza que são ambas tanto a minha terra como Lisboa, Genève ou Lourenço Marques?

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