Foi num dia assim que me apaixonei por mim: sol, calor, o Tejo imóvel visto de um terceiro andar de Alfama, saber que me esperas, um dia. Não é frequente gostar de mim; acontece raramente, quase sempre devido a coisas exteriores: o sol, o vinho, o Tejo, a luz de Lisboa nos telhados, os teus seios tão presentes debaixo da camisa, tão invisíveis, a vontade que a mão tinha de neles escorregar como o sol escorregava nos telhados de Lisboa.
Nada disto é verdade.
O que é verdade? Lembro-me de tudo: do sol, dos telhados, do Tejo no qual os barcos, imóveis, me faziam pensar nos teus seios a primeira vez que os vi. (Não houve segunda, eu sei. Não haverá segunda: vamos saltar directamente para a terceira ou quarta).
Nada disto é verdade.
A verdade está alhures. A verdade é um pelicano que mergulha na água como se fosse um raio de sol que se distraiu e solidificou antes de tocar na água.
A verdade é a minha mão no teu ventre como um pelicano na água, enviado por um deus distraído.
Não há verdade. Há aspectos da verdade, tal como um pelicano que mergulha é um pequeno fragmento do mundo. Tu és um pequeno fragmento do mundo. Mas serias um mundo se o mundo fosse, sei lá, um metro quadrado de água e um pelicano que nela mergulha como se o mundo tivesse acabado e ele se quisesse refugiar da ausência de mundo.
Da ausência de ti? Não há ausência de ti.
A verdade é um raio de sol no Tejo imóvel, uma proa que larga de um cais, uma vela grande que apanha a última térmica do dia, o teu olhar dubitativo. Os pelicanos não duvidam: mergulham. Será que olham antes de mergulhar?
Não tenho a certeza.
Nada disto é certo. Certa é a tua ausência. Certa é a tua presença.
Sou imperfeito. Amo-te. Se conhecesses as minhas imperfeições amar-me-ias?
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.