Refiro-me apenas às torradas comidas num café ou numa pastelaria.
Uma torrada é constituída por duas fatias de pão de forma, cada uma delas com cerca de uma polegada de espessura e cortadas em três partes no sentido longitudinal.
A torrada pode ser pedida desbastada - pode, mas não deve, na minha opinião: abaixo se perceberá porque defendo esta tese -, com muita ou pouca manteiga, muito tostada ou pouco tostada. Tão pouco se deve: uma torrada não suporta qualificativos nem constrangimentos. Uma torrada se faz favor é a forma correcta de pedi-la.
Nos cafés e pastelarias dignas desse nome a torrada vem com a quantidade certa de manteiga - boa, muita, e barrada de ambos os lados de cada fatia de pão - e tostada no ponto exacto em que o pão deixa de estar duro e já não está mole.
Uma torrada desbastada - isto é, sem côdea - tira ao acto de a comer a sua componente psicanalítica (a qual só interessa, naturalmente, a quem se interessa por psicanálise de café): torna indiferente qual das três partes da cada fatia se come em primeiro lugar. Eu sugiro que se deixe as duas partes do meio, as que só têm côdea nos lados superior e inferior para o fim. Devidamente ensopadas de café, ou de café com leite, vergam-se, dobram-se, quase se partem antes de chegar à boca. Os lábios agarram-nas (uma de cada vez, claro) e encaminham-nas para as papilas gustativas do consumidor avisado.
Deve sempre tentar tomar-se o pequeno-almoço em casa, ou pelo menos numa casa; se impossível, então deve escolher-se Lisboa; e em Lisboa um café ou pastelaria dignos desse nome. Pedir uma torrada se faz favor e pensar que uma vida que nos permite iniciar o dia dessa forma pode ser tudo; mas madrasta não é com certeza.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.