31.12.13

Diário de Bordos - Mindelo, Cabo Verde, 31-12-2013 (Post a posteriori)

251213 (24º 39' N 021º 06' W)


Pela primeira e espero que última vez na vida passei um bilhete de desembarque a mim próprio e desembarquei do S. Ando no mar para ganhar a vida (e porque sem o mar não tenho vida, mas isso são contas de outro rosário) não para brincar aos barquinhos.

Raramente tomei uma decisão com um timing tão bom [não é bem verdade, mas paciência. Agora não há nada a fazer]: saco em terra e menos de duas horas depois estava a bordo do N. Embarquei no pontão do combustível e estou, no momento em que escrevo estas linhas, a quase 400 milhas de Las Palmas. Faltam 600 para chegar ao meu lugar favorito: mil milhas do porto mais próximo; se possível sozinho. [Tivemos de desviar para o Mindelo, por razões técnicas].

No N. somos cinco, mas a tripulação é óptima e não custa muito. Pela primeira vez navego com uma vegan – ou pior, não sei: G., uma fotógrafa italiana que fazia bateau-stop em Las Palmas só come fruta e legumes. Creio que nem arroz come - . Mas a verdade é que a dieta parece não lhe fazer mal, muito antes pelo contrário.

E pela primeira vez em muito tempo navego num barco onde não cozinho e como bem.

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Ontem tive de ir ao hélice cortar uma rede. Uma hora de trabalho e fiquei exausto. Tenho de chegar a um acordo com o meu corpo quanto a essa história da idade. Estava mar, eu sei. Mas bolas, fiquei derreado.

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O almoço de Natal foi uma magnífica cataplana de atum. F. é um excelente cozinheiro. Pode não ser grande marinheiro mas é simpático [nem sempre, mas quando o é é]. N. é uma espécie de roulotte flutuante, com dessalinizador (que se avariou dois dias depois de sairmos de Las Palmas), micro-ondas, duas televisões (duas) e – pormenor que me toca particularmente - máquina Nespresso.

No S. todas essas coisas faziam sentido (não tinha Nespresso, seja Deus louvado). Mas num Bénéteau 50 não fazem. Enfim, fazem: isto é uma roulotte.

Estou a ser injusto. O barco é bom, rápido, confortável e passa bem na vaga. Um dia perderei o meu preconceito anti-Bénéteau. Só espero que não seja amanhã a véspera desse dia.

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Hoje pescámos um mahi-mahi. É pequenino e sugeri que o deitássemos fora. Não fui ouvido: vai para a panela (não pode ir para o forno porque só temos uma garrafa de gás e temos de a poupar). Dá para cinco se três não comerem, como no Constantino, Guardador de Vacas e de Sonhos; e dado que é pouco provável G. prove (apesar de ter provado o atum cru, a rapariga não é fundamentalista) já só é preciso que sejam dois a não comer.

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