28.1.14

Diário de Bordos - Red Frog Marina, Bocas del Toro, Panamá, 28-01-2014

Deixou de chover. É cedo para cantar vitória, mas não para ver que Bocas sem chuva é lindo, parece outro planeta. Pouco a pouco os nós desatam-se; não é de estranhar, sou tão bom a desatá-los como a fechar portas, ou a abri-las. A verdadeira questão, pensava hoje quando vinha do Palmar sem luz e a luz não era precisa, hoje, pela primeira vez é saber porque tem a minha vida tantos nós.

Há várias respostas. A primeira, óbvia, é que não sei se as outras não têm montes de nós também, e eu penso que só a minha os tem. A segunda, menos óbvia mas se calhar mais verdadeira, é que eu não escolhi a minha vida. Foi ela que me escolheu e por isso eu apaixonei-me por ela ainda muito novo.

É de todas as paixões a única que não morreu, a única que ainda hoje amo e pela qual sofro tudo o que ela quiser fazer-me sofrer.

Preciso de um bocadinho mais de mar, é tudo. Há quem pense que eu preciso também de um bocadinho mais de dinheiro. É verdade: até eu penso isso, muitas vezes. Mas depois olho para a minha vida bem nos olhos e digo-lhe que o dinheiro a teria estragado toda.

Agora ela responde-me que tem muita vontade de ser estragada; na verdade anda há anos a dizer-me isso. Eu concordo com ela, acaricio-a um bocadinho e vivo-a. E ela cala-se.

Pergunto-me quanto tempo mais a conseguirei manter calada. Pouco, de certeza.

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Dias mágicos no Palmar Tent Lodge, o meu lugar, a minha casa fora de casa, a minha praia quando preciso de praia e o meu bar quando preciso de um bar.

"O mundo é sempre mais pequeno do que o viajante que nele viaja", escreveu um dia James Baldwin. Não conheço maior verdade, nem outra que seja tão boa de viver.

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Amanhã faço um jantar a bordo para celebrar os anos de K., uma jovem alemã que conheci hoje no Palmar. Há muito tempo que não dou jantares a bordo. Há muito tempo que não tinha tempo. Aos poucos redescubro-o. Ou ele redescobre-me. Não sei. O tempo também é infinitamente menor do que o viajante que nele vive.


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