24.4.14

Diário de Bordos - Shelter Bay Marina, Panamá, 24-04-2014 (cont.)

A falta de água continua. Os prognósticos para o restabelecimento da normalidade, como diriam as autoridades, variam entre hoje à noite e sábado. Confesso que pouco me importa: enquanto puder tomar o duche matinal e o vespertino tanto se me dá como se me deu. A água que venha quando quiser: eu estou em modo largada.

Amanhã instalo a eólica, sábado vou para Panamá, domingo volto, segunda acabo o motor com P. e a partir daí podemos largar quando deus (que aqui é representado pela Autoridade do Canal do Panamá) quiser.

O Equador atrai-me há muitos anos, demasiados para me chatear com uma meia falta de água.

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Num país que conheço mal e de que gosto muito celebra-se amanhã uma revolução. As entidades falam - fala-se muito, nesse país -, os artistas artem, os poetas poetam, os opinadores opinam (alguns, forçoso é reconhecer, bem).

Não posso dizer estou-me nas tintas porque as tintas têm presentemente um impacto importante no meu quotidiano: continuamos sem poder usar o lava-loiças por causa da tinta. Mas tudo aquilo (artistas, opinadores, poetas e quejandos) parece um bocadinho irrelevante, visto de longe. Quarenta anos é muito ano, caraças.

E quatro mil milhas muita milha.

E o país pequeno, pequeno. Adorável mas pequeno; cheio de medos e respeitos e vénias e voceses e doutores engenheiros e coisas que vistas de longe parecem pessoas e ouvidas parecem vermes.

Estou cheio de vontade de ir a Portugal passar duas semanas: uma em Lisboa outra em Mértola, com uma paragem em Évora para ver um amigo. O país é pequeno, tem que se lhe ajustar as vontades.

E o Chile tão perto do Equador... E no fim do Chile a Patagónia. E o Mediterrâneo... E no fundo do Equador o Amazonas... Portugal só me habita o coração, não o sonho.

Os noventa dólares com que saí de Bocas estão longe e o resto do mundo perto.

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Durante alguns anos, por razões de força maior, pensei bastante na minha idade. Agora voltei ao statu quo ante: o que sou interessa-me muito mais do que o que fui, e serei.

E interessa-me bem pouco o que sou: basta-me ser o que sou.

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