São inúmeras as coisas em que não acredito.
Não acredito em deus, chame-se-lhe como se quiser; não acredito nas alterações climáticas antropogénicas, que os pretos são piores e os maricas melhores do que os outros, que cortar um nabo às rodelas finas e depois fritá-las em azeite bem quente seja a pior maneira de comer nabo.
Não acredito nos homens, sejam eles super ou infra ou simplesmente medianos - um homem é um conjunto falível e imperfeito de células governadas por genes que só pensam neles. Não acredito em heróis, não admiro um gajo por nada que não dependa da sua vontade ou, o que é a mesma coisa, da sua coragem; não acredito que haja muitos pianistas melhores do que Cecil Taylor, não acredito que o vinho tinto, o whisky ou o rum (consoante onde se esteja) não sejam o melhor remédio para a maioria das coisas más e boas que nos afligem ou acontecem (admitindo que há coisas boas que nos acontecem, claro). Não acredito no passado e muito menos no futuro.
Não acredito na vida depois da morte - haverá uma antes? - nem no poder ilimitado do amor - o amor é como a liberdade, só existe no plural.
Mas são mais ainda as coisas em que acredito; não porque sejam mais mas porque são maiores: acredito no mar, por exemplo; em alguns amores que tive e noutros que terei; em algumas amizades.
Acredito que passar uma tarde de sábado a cozinhar é uma das melhores maneiras de passar uma tarde de sábado, se a música e o vinho forem bons; acredito em mim: "sou o que sou e é tudo o que sou"; acredito que um dos melhores lugares do planeta é uma embarcação de vela a mil milhas do porto mais próximo.
Acredito nos croquetes e nos pregos da Versailles (para dizer a verdade, em tudo o que de lá sai), no poder regenerativo do sol e terapêtico do vento, que o melhor sítio para ter as mãos é uma pele, e os olhos outros olhos; que há poucas coisas melhores de se ouvir do que as Vésperas de Rachmaninov, sobretudo se forem ouvidas numa catedral, cantadas por um bom coro. Acredito que poucos poetas são melhores do que Jorge Luis Borges, William Blake ou Fernando Pessoa, que alguns poemas de Nuno Júdice e muitos de Pedro Tamen roçam a perfeição pelo interior, na fotografia de Man Ray, Richard Avedon ou Diane Arbus, nas canções de Leonard Cohen, que são a vida em música e palavras.
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Nada disto é verdade.
Acredito em tudo: "Tudo aquilo em que se pode acreditar é uma imagem da verdade".
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.