Voltei para Shelter Bay: à chegada a Panamá vi que me faltavam cem dólares na carteira e deixei de ter dúvidas sobre onde passar os dias que faltam até ir para Lisboa. Ainda fiquei uma noite para falar com P., o agente que nos salvou de uma prolongada estadia no canal quando passámos com o Artie, e de quem fiquei amigo, para ver se ele tinha outros trânsitos. Não. De maneira no dia seguinte estava de regresso ao meu trimaran, aos meus jantares com a Nike e o P. O elástico que Shelter Bay prende às costas de quem por aqui passa e o faz regressar cada vez que pensa em partir funcionou de novo. Pelo menos até domingo, se não houver outro trânsito antes.
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Ser roubado - como penso que fui - é uma violência, uma violação, uma náusea. Não interessa a quantidade nem a situação; sinto-me furioso comigo próprio, sinto asco e incredibilidade.
Esta estadia em Shelter Bay foi a mais fértil em roubos (com a excepção do refit em Panamá, claro; mas isso é outra história). Em Red Frog a única coisa que me desapareceu foi um champô. Claramente alguém se esqueceu do seu e de deixar o meu depois de o usar na casa de banho, onde tinha as minhas coisas de duche. Consequência sem dúvida de não haver nas imediações onde comprar outro.
Aqui já me roubaram a toalha (coisa que de resto me aborreceria muito pouco, era pesadíssima, não fora a chatice de ter de me limpar depois de cada duche ao papel dos lavatórios. Preciso de quase cinco metros de papel de cada vez) e outro champô - devo escolhê-los bem -. Agora os cem dólares. Colon sempre teve a reputação de ser um coio de ladrões e certas coisas não mudam.
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A minha filha costumava dizer-me "vocês vivem num planeta paralelo" (vocês sendo os navegadores). Gosto de pensar que ela tem razão; e mais ainda do o confirmar.
P. - que, oh surpresa, está sem dinheiro - ofereceu-me uma hora de trabalho. "Não é muito, mas é o que posso agora". Hoje vou tirar-lhe os cabos de rizo e levá-los à lavandaria.
Só lamento que esta solidariedade, entreajuda e empatia sejam parte de um planeta paralelo, e não do principal .
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Ontem a Nike e eu passámos a noite a fazer uma canção (e a beber rum; mas isso é uma consequência, não uma causa). Escrevíamos a letra os dois e ela ia acompanhando à guitarra. Tem uma voz bonita, muito clara e articulada. Ainda toca mal, mas treina todos os dias e aprende depressa.
Anda a aprender Avalanche e Hallelujah.
A letra não está grande coisa, mas é a primeira que escrevo.
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Até amanhã posso encontrar um trânsito (é o termo dos técnicos para travessia do Canal). Espero que sim. Gostei de atravessar sem o stress de ser skipper; de tomar banho no lago Gatun às sete da manhã, de falar com os pilotos sobre tudo e mais alguma coisa.
A parte mais bonita para mim é o lago. As primeiras e segundas eclusas fascinam; depois a atenção dispersa-se e precisa-se de um navio à popa para criar alguma excitação a bordo.
À saída em Miraflores um dos barcos que ia connosco começou a meter água e quase afundava. Fizemos uma parte do trajecto com eles, até terem a situação controlada. Depois fomos para o Balboa Yacht Club.
Não havia bóias livres. Desembarquei e F. foi directamente para as Marquesas.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.