27.7.14

Diário de Bordos - S. Luis, Maranhão, Brasil, 27-07-2014

E hoje foram mais sessenta. Quilómetros, quero dizer. De bicicleta. A cavalariça pecisa de movimento, o cavalo dá um jeito.

São José de Ribamar é melhor do que Raposa, de muito muito longe. E um bocadinho mais perto. Mas a diferença não se nota, porque a estrada tem mais subidas e descidas. De resto é igual: completamente desinteressante. Feia, mal-cheirosa, com bastante trânsito - devo dizer que aqui pelo menos só há falta de educação, falta de respeito, ignorância e indiferença para com os ciclistas. Não há animosidade, como em Panamá. Ou desleixo assassino como em Lisboa. Sinto-me mais à vontade em S. Luís do que em certos troços da Marginal, por exemplo. Aqui os carros passam a rasar só quando não têm outra hipótese; e nestes dois dias e centro e trinta quilómetros só ouvi uma observação desagradável -.

De qualquer forma deve ser o último destes grandes passeios. Para a semana inscrevo-me num curso de kitesurf. A cavalariça precisa de água. Depois a burra fica reservada para os percursos urbanos.

Pelo menos encontrei o que procurava: um sítio bonito, lindo, bem arranjado, com boa comida e um melhor serviço. Chama-se Mediterrânea (e pertence a um italiano, claro).

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Como a muitas pessoas, esta última crise em Gaza fez-me ver uma série de coisas. E confirmar outras. Uma delas é de o homem é um animal racional até abraçar uma causa. Seja ela qual for: as crianças de Gaza, os Palestinos de Gaza, os direitos dos animais, o ódio às touradas ou - vá lá saber-se, qualquer dia - o direito de as farmácias venderem fraldas usadas (depois de devidamente desinfectadas, claro) para poupar o ambiente.

O que é espantoso é que as pessoas mantém a capacidade de raciocinar e pensar em todas as outras áreas. Só a perdem quando se chega à causa; é aí que deixam de poder raciocinar (algumas são poli-causais. É um bocadinho mais complicado. Outras são de esquerda e aí fica praticamente impossível falar do que quer que seja excepto de livros, música e cinema. E comida. E mais meia dúzia de coisas. Enfim, é muito, reconheça-se).

Que teria sido da Europa se os pacifistas dos anos trinta tivessem ganho? Porque é que a Segunda Guerra Mundial foi necessária? Será que todas as pessoas que defendem Israel gostam de ver crianças mortas? Os pacifistas pensam que a guerra desaparecerá por artes encantatórias, tal como muitos deles acreditam que basta controlar os preços para que a inflacção desapareça?

Será falta de bom senso fazer estas perguntas?  Serei um facínora desumano porque acho que o Hamas está a provocar estas mortes precisamente porque sabe que pode contar com a opinião pública ocidental (incluindo neste ocidental a "esquerda pacifista israelita", felizmente longe do poder em Israel)?

Deve haver poucas pessoas (das que lêem este blog. Alexandra Lucas Coelho não o lê, claro) que tenham visto mais crianças vítimas de barbaridades do que eu - o que de passagem me faz pensar que os disléxicos, ou ignorantes que chamam a isto um genocídio deviam ter passado uns meses no Rwanda e no Burundi em 1994, para verem o que é um genocídio e ganharem tento na língua e vergonha, duas coisas das quais se anda muito escasso por estes dias -. Ninguém tem mais horror à vista de uma criança morta ou sofredora do que eu. Mas porra, isso não me impede de ver que se estão a morrer crianças é porque o Hamas quer que elas morram. E não me força a embarcar em manipulações.

Isto é óbvio ululantemente, mas de nada serve repeti-lo. A causa está lá. E quem não está com a causa não é uma pessoa. É uma besta.

E entretanto as crianças e as vítimas civis vão morrendo, e vão continuar a morrer precisamente por causa do apoio daqueles que Lenine, que sabia do que falava, apodava de idiotas úteis. A idiotice não mudou; só mudou a utilidade: agora, perpetuar a mortandade de inocentes.

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