4.7.14

O meu corpo e eu - II

Tudo o que eu queria era que fosse breve. Talvez tenha sido. O pico da crise foi das cinco às sete da manhã. Duas horas não é nada.

Como passei esse par de horas? Lembro-me de meia dúzia de coisas: a almofada a tapar-me a cara, como por vezes faço a uma senhora que grita muito quando não posso incomodar os vizinhos; o ar condicionado a ser apagado e ligado quase de minuto a minuto; o frio e o calor simultâneos; os duches - pela primeira vez chateei-me por não ter água quente e por a água fria não ser fria - ; o suor; a experiência permanente de posições na cama; andar no quarto para trás e para a frente como se cada percurso fosse o Paredão; as idas estroboscópicas à casa de banho para ver se as pedras saíam; a incapacidade total de escrever (isto, aparentemente, consequência do Tramadol e não directamente do sofrimento); as náuseas, elas também consequência de um remédio que ao fim e ao cabo não me trouxe alívio nenhum - o que não foi o caso durante as dores de dentes em Red Frog, é preciso dizê-lo -.

E sobretudo a noção constante da desproporção entre a dimensão daquilo que me provocava a dor e a dor. Não há relação nenhuma, quem já passou por isto sabe-o. Um cálculo renal é minúsculo.

Retrospectivamente duas horas não é nada. Infelizmente o tempo é uma espécie de pastilha elástica que se deforma e reforma e se cospe quando já não serve para nada. E aquelas duas horas não serão cuspidas tão cedo.

Não foram duas horas. Foi uma viagem de ida e volta ao centro de mim. Todas as grandes dores, os grandes sofrimentos o são, não é?

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