Faço testes à memória esperando que ela falhe.
Que daquela praia tenha, por exemplo, apagado
os traços irrequietos, ansiosos que nela deixámos.
Mas a memória mostra-me a areia a remexer-se
por baixo de nós. Era inverno. Tínhamos casacos, sobretudos,
cachecóis e por baixo disto tudo mãos e
peles, que lentamente se embaciavam.
Peço à memória que apague essa praia;
à praia que se imobilize;
ao mar que leve da areia o amor que nela nasceu,
às algas que preencham os buracos que na areia
fizemos e às rochas que desabem
na praia, na areia, na memória.
Havia muitas rochas na praia, mas só víamos a areia.
Vêm-me à mente os versos de Borges:
Solo una cosa no hay: es el olvido.
Dios, que salva el metal salva la escoria
Y cifra, en Su profetica memória
Las lunas que serán y las que han sido.
Recitei-to muitas vezes, mas nunca naquela praia.
Talvez o mar seja uma das formas do esquecimento.
[Não é].
Talvez o mar que tudo e sempre muda
apague da praia não os traços mas a memória.
[Não apaga].
Talvez a areia aceda, se lhe pedir,
a deixar desvanecer-se no mar
aquele fim de tarde que lhe deu sentido,
que fez dela a única praia, a única areia
o único fogo, o único sempre.
Talvez as outras praias se revoltem,
talvez unidas digam ao mar para nos apagar.
Talvez haja outras praias, quando o mar quiser e se a memória deixar.
Mas é pouco provável: solo una cosa no hay.
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