Ontem foi dia de a poesia ocupar a cidade, de novo. São os meus momentos favoritos em S. Luís. Pensava como replicar isto noutros sítios? É replicável? Como seria, ler poesia no Rossio às seis da tarde de um sábado? Ou no Castelo? ou no Cais das Colunas?
E noutros países? Em Panamá seria impossível; ditto em St. John (Antigua), ou qualquer outra cidade das Caraíbas. Hummm... Não, em Fort-de-France (Martinique) funcionaria. Em St. George's Town (Grenada) também. Em Bequia não haveria ninguém, mas seria lindo.
Poesia, Celso, vamos ocupar o Mundo?
Enfim, não é só poesia. Li o começo da Peregrinação, houve quem tocasse música, cantasse rap. E saio de cada sessão com livros oferecidos.
E com uma maravilhosa sensação de pertença. Qualquer dia sou ludovicense (já gosto tanto da palavra que gostar da coisa é um passo).
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Ao contrário do que muita gente pensa sempre tratei bem de mim. Comi bem (enfim, nem sempre, mas isso é outra história); bebi bem (no sentido de muito; no outro, aplica-se o proviso anterior). Não tomei demasiadas drogas (e quando tomava parei cedo). Não fumei durante muito tempo. Numa palavra, uma vida regrada, sem excessos se a tomarmos no seu conjunto.
Mas o raio da cavalariça agora quer outro tipo de cuidados. Em vez de ouvir os meus amigos donos de bares (não consigo lembrar-me de um dono de bar que não seja meu amigo. E de restaurantes também, de passagem se diga) ouve os médicos nos quais gasto o dinheiro que devia ser gasto em coisas melhores, como as cachaças do Xico ou da tia Dica, as cervejas da tia Rosa ou os maravilhosos nacos de carne do Oak.
A última com que me veio é que preciso de começar a usar creme solar, daqueles com que as pessoas se besuntam quando vão à praia ou mal entram num barco. Nunca usei até agora e confesso que me foi mais fácil deixar de ir tomar as minhas cervejas ao mercado da Praia Grande do que é imaginar-me coberto daquela coisa branca, pegajosa, mal-cheirosa e em geral desagradável.
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A minha integração linguísta também faz alguns progressos. Continuo a falar português com o meu sotaque. Não há razão para mudar. Faço apenas - mas raramente - algumas concessões lexicais. Tirei rapariga do meu vocabulário. Pelo menos daquela parte dele que exprimo oralmente. Há pessoas a quem sei que se disser casa de banho acabarei a dizer banheiro; ou café da manhã em vez de pequeno almoço. A essas vou directamente à forma local.
No fundo estou contente: quando por exemplo penso em rapariga tenho muito mais com que me entreter. Mesmo que não o diga. E tenho bastantes palavras novas com as quais brincar.
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Em Outubro há eleições. Uma das formas favoritas de publicidade eleitoral é o "som automotivo": automóveis (e bicicletas e motas e camiões. A única coisa que ainda não vi foi carroças) equipadas com altifalantes capazes de acordar quem dorme em coma alcoólico nos antípodas.
É mais uma fonte de ruído a juntar-se às já existentes, tantas. Tenho pena de não poder votar: votaria no único candidato - deve haver um, pelo menos, no meio destes milhares de candidatos (todas as eleições são simultâneas, desde as autárquicas às presidenciais) - que não tenha dinheiro para fazer barulho. Um só.
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De entre as boas decisões do últimos decénios está a de me mudar das Portas da Amazónia para a casa do Frank. Para além de poder cozinhar - não imaginava que me fizesse tanta falta e tanto bem - passo horas a falar com Frank de barcos. Teve uma quantidade impressionante deles, cada um mais bonito do que o outro.
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Mar, cozinha e livros. Podia ser pior.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.