À minha frente a lua, não muito alta, dois ou três dias depois do quarto crescente; atrás, o trompete de Davis. As ruas do Centro vazias, e uma cidade que com cenas destas se vai apoderando de mim.
Regressava do Chicodiscos, designação improvável do melhor bar onde até hoje estive em S. Luís. Não é bem um bar. É mais um clube só para amigos do Chico e - felizmente - amigos dos amigos. Fui lá pela mão amiga e generosa do Celso e da Andréa, abençoados sejam.
É o primeiro andar de um prédio do Centro: a primeira coisa que impressiona é o pé direito, altíssimo. A segunda, imediatamente a seguir, é que acabamos de entrar no quarto que gostaríamos de ter tido há uns anos: fotografias de filmes, actores, músicos. Todas a preto e branco, todas de filmes, actores ou músicos que não só conhecemos como apreciamos. La Strada; Kubrik; Woody Allen; Morrison. Candeeiros daqueles de corda, esféricos. Música alta mas não aos berros, pode falar-se. E boa. Uma vasta escolha de cachaças. Pouca gente e toda conhecida - o bar é para amigos não é uma fórmula -.
Eu sabia que havia sítios assim em S. Luís. Não há cidade no mundo que os não tenha. É preciso é encontrá-los.
Aqui há uns tempos contabilizei todas as cidades onde já vivi - viver sendo passar mais de três meses. Estão quase todas na Europa, em África, nas Américas Central e do Sul (e Nakhodka, claro, no Extremo-Oriente Russo, mas essa não conta inteiramente, apesar de lá ter passado quatro meses, porque vivia a bordo).
Vivi em muitos sítios em circunstâncias bastante diferentes, mas os mecanismos de apropriação são sempre os mesmos: não somos nós que nos apoderamos de uma cidade, é ela que se apodera de nós.
Sábado vou a uma leitura de poesia, organizada pelo Celso e pelo Bruno. Todos os sábados há uma, num local público e diferente. A próxima vai ser no local onde vivia António Vieira quando viveu em S. Luís. As cidades entram por nós assim: ínvias, sorrateiras.
E nós rendemo-nos a elas porque as cidades não existem. O que existe são as amizades que nelas fazemos. E os bares que os amigos nos fazem descobrir. E os amigos que os bares nos permitem conhecer.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.