Um gajo pode ser bom naturalmente, por obra e graça da natureza, por ser anjinho; ou porque já foi mau: fez demasiadas asneiras, demasiados erros, maldades e aprendeu com eles.
Estou longe de ser o gajo decente que todos pensam que sou. No qual me transformei depois de ter feito muita merda. Não posso dizer que tenha sido difícil. Não foi. Comecei simplesmente a empatizar com os outros, a perceber que as minhas acções tinham consequências, a sofrer demasiadas vezes as maldades de que era vítima. Pouco a pouco - o processo foi gradual, lento, por vezes imperceptível - transformei-me num "homem bom" (aspas porque repito o que milhares de vezes me disseram. Tu és um homem bom. You are a good man. Eres un hombre bueno. Tu es un chic tipe. Disseram-mo em todo o lado, em todas as línguas).
Ando há cinco anos com Isabel. Ao princípio era suposto ser uma dessas relações "picada de mosca", insensível, rápida, sem consequências, um banal affaire entre um piloto e uma hospedeira: queca em Nova Iorque, passeio no Rio, compras em S. Francisco. Mas um dia pedi para voar de chave com ela (significa fazer sistematicamente voos em conjunto com outro tripulante) e desde aí perdi o controle. Passo mais tempo com Isabel do que com Maude. Penso nela mais vezes, toco-lhe e falo-lhe e rio-me com ela mais do que o faço com Maude. Se alguém me convida para um jantar e diz "Traga a sua mulher" é em Isabel que penso, não em Maude.
Maude... Quando penso no que este nome me fez sonhar e no pesadelo que hoje se tornou. Odeio tudo o que ele evoca para mim, a começar na minha cobardia, a continuar pela minha duplicidade, a acabar nas memórias que dela tenho, dos tempos em que a amava.
Como cheguei aqui? Como posso não amar a pessoa que tanto amei? Como posso mentir-lhe?
Não é como. É porque. Como eu sei. Porque não.
[Com um obrigado ao Hugo Mastbaum pela ajuda]
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.