13.8.14

Peça no deserto

As cortinas fecharam-se, as luzes apagaram-se, o palco ficou vazio. A ponte ruíu. Sem palavras, um esqueleto avança no deserto. Ninguém o vê,  ninguém o ouve.

Gosto do deserto. O calor,  a areia escaldante,  a solidão. Todas as mortes deviam ser no deserto,  para lá das pontes caídas, das vidas vazias, ao sol e ao vento.

A areia cobre as cadeiras de onde assistimos às últimas cenas, as mais cómicas. Ou ridículas. Ou patéticas. As linhas que as separam são ténues,  quase invisíveis de tão finas.

O esqueleto ri-se e cai. Nunca mais se levantará. Na plateia ouvem-se solitárias palmas. Alguém ficara para trás.

O vento, a areia, o sol e um riso meio triste meio trocista. A peça acaba como começou. Um esqueleto que ninguém vê, um incêndio,  pontes de palavras a cair aos bocados.

Ninguém fala. Nas ruínas o sol ilumina as frinchas pelas quais sai a mentira e entra o silêncio.

O vento, de novo.

Um murmúrio.  A morte. A distância amplia o que não se vê: o invisível aparece mais nítido.

No deserto há calor e frio. Há luz mas não há sombras. Há fogo mas não há água. Há solidão e silêncio e dor e verdade. Mas não há mentira.

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