16.9.14

Diário de Bordos - S. Luís, Maranhão, Brasil, 16-09-2014

Fabio tem o restaurante composto, como se diz no jargão do métier. Apesar disso sai comigo à rua procurar um táxi. Os telefones não respondem - fico a saber depois que a rede fixa está em baixo -; "Não quero que andes sozinho por essas ruas", explica num português quase perfeito (é italiano). Não há táxis em nenhuma das estações por onde passamos.

Numa farmácia consigo pedir um carregador para o meu telefone esperto e por conseguinte descarregado. Miguel não pode vir, mas vai mandar um colega. Tento dar quatro reais à miúda da farmácia que me emprestou o carregador. Recusa-os. "O que é isso? Imagina..."

Voltamos para o restaurante, Fabio oferece-me mais um Limoncino (é ele que o faz) e um café.

Recentemente pedi a um miúdo, amigo do filho da senhora que faz a limpeza na pousada - e dela (pousada) frequentador assíduo - que me fosse comprar cigarros. Deu-me o troco: "foram dez reais". Dei-lhe dois de gorjeta, que aceitou com um obrigado respeitoso, educado.

Hoje fui eu comprar os cigarros. Custam oito reais.

O colega de Miguel não aparece. Volto à estação de táxis. Está lá um. É ele quem me diz que só os celulares funcionam. Traz-me à pousada. Para poupar tempo digo-lhe que fico duas esquinas antes da pousada - é preciso dar uma volta grande e nestas ruas andar de carro é mais desconfortável do que andar.

Mete-se em contra-mão e na esquina seguinte diz  "Espero até o senhor entrar em casa. Estas ruas não são seguras".

No caminho falara-me de política e de futebol, dois temas para os quais não tenho troco.

Tenho com S. Luís a relação que tenho com algumas senhoras: amo-lhe uma metade e detesto-lhe a outra mais do que qualquer delas merece.

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Li a nada kafkiana Carta ao Pai aos quinze ou dezasseis anos, como toda a gente. É bastante útil: ajuda os adolescentes a perceber que todos os pais são uns monstros castrantes e conforta-lhes a ideia de que progenitores horrorosos garantem uma carreira literária ao virar da puberdade.

Depois esqueci-a, claro.

Ontem fui ver uma peça (Pai e Filho, ou Filho e Pai, já não me lembro) baseada nela.

A peça era gratuita, como todas as que vi em S. Luís com uma excepção. Financiada por vários organismos, parte integrante de um interminável rol de "projectos", ou de um só com muitos tentáculos. A primeira pergunta que me fiz - mas não pela primeira vez - é se há cultura no Brasil que não seja financiada pelo Estado (há, eu sei. Celso está a organizar uma Feira do Livro e o Estado não paga; ou pelo menos não paga tudo).

A segunda é "de onde vem esta qualidade de representação?" A qualidade do jogo é espantosa.

Infelizmente neste caso - uma première, é verdade - desajustado, fora de tom. Perfeitamente adequado a uma peça de Beckett, mas nada a ver com a Carta. A qual tive o cuidado de reler (só por isso agradeço à Pequena Companhia de Teatro. Ler sem reler é como um par de óculos ao qual caiu uma lente).

Mas foi um bom momento, apesar disso. Gosto de teatro, mesmo desafinado. E lembrou-me de que tenho de lá ir mais vezes.

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