"Sou tolerante, não sou relativista". Há muitos anos, mais do que aqueles que sei contar.
O problema é onde pôr a fronteira da tolerância? Por onde passa a linha entre o exótico e o inaceitável? Para algumas coisas a decisão é fácil: a mutilação genital feminina, por exemplo. Outras são mais complicadas.
Depois de muitos anos de viagens e de contactos com variadíssimas culturas continuo sem certezas. Porém um critério que me parece válido é não defender para os outros aquilo que não se quer para nós. Queremos a democracia, a liberdade, governantes honestos, respeito pelo espaço público? Porque toleramos a corrupção, a ditadura, a insegurança nos outros?
À frente da pousada mora um senhor que suponho seja atrasado mental, idiota, débil, imbecil ou coisa semelhante. De tempos a tempos sente necessidade de pôr a música aos berros. Não suporto mais este barulho permanente. Não se dá um passo que não se seja agredido ou por um carro de som com anúncios a não sei quê ou a quem quer ser eleito, ou por - como neste caso - um gajo qualquer que decide simplesmente que toda a gente deve ouvir a música de que ele gosta.
Hoje fui pedir-lhe para baixar o volume. Começou por perguntar-me se eu já estava a dormir (são sete e meia da noite). Disse-lhe que não. Sorriu, Olhou para mim e perguntou-me "Então"? Disse-lhe que não gosto daquela música, por um lado; e que ela me impede de ouvir a de que eu gosto, por outro. "Se o senhor baixar o volume da sua música pode ouvi-la na mesma, eu posso ouvir a minha e ficamos os dois contentes". Sorriu de novo, apertou-me a mão, baixou o volume - e cinco minutos depois voltou a subi-lo.
Não vale a pena. É como se eu lhe fosse pedir para se despir e andar nu na rua.
Ignoro o que leva o homem a precisar de ouvir a música assim, mas sei que para mim é intolerável. Não é exótico.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.