15.9.14

Reedição - Carta (incompleta e confusa) ao meu filho

Meu querido filho,

Algumas pessoas gostam de dizer aos outros aquilo a que elas chamam pomposamente “as verdades”. Geralmente, aqueles a quem elas são destinadas não gostam de as ouvir. A razão é que, a maioria das vezes, “as verdades” a que os primeiros se referem não o são: são opiniões. É da diferença entre “verdades” e “opiniões” que te quero falar hoje. Dir-me-ás que és demasiado novo para isso. Talvez, mas não precisas de perceber tudo já: basta ir pensando nisto ao longo do tempo, e um tempo chegará em que eu estarei todos os dias (ou muitos dias) ao teu lado para te ajudar.

Há muitas diferenças entre uma verdade e uma opinião. Apesar disso, é por vezes difícil perceber onde acaba uma e começa a outra. Há alguns métodos mas nenhum deles é simples, ou eficaz, ou absoluto:

  • Frequentemente, as verdades dispensam adjectivos (“isto é uma mesa”); as opiniões exigem-nos (“esta mesa é bonita”);
  • As verdades unem, as opiniões dividem (ninguém discorda da gravidade);
  • Muitos estão prontos a morrer por uma opinião, mas poucos dariam a vida por uma verdade;
  • As verdades demonstram-se, as opiniões defendem-se;
  • As verdades partilham-se, as opiniões confrontam-se.

Há pessoas como a tua mãe cujo trabalho consiste em destrinçar as verdades das opiniões. Elas elaboram aquilo a que chamam uma hipótese (outro nome para “opinião”) e depois tentam verificar se essa “hipótese” é verdade ou não. Isto só é possível em algumas áreas do conhecimento, da vida. Outras pessoas partem das verdades (“as maçãs caiem”) e elaboram depois opiniões que talvez se venham a revelar, por sua vez, verdades: a "a maçã cai por causa da gravidade", por exemplo.

O que há de comum nestas duas démarches é que estas verdades são transitórias, e as pessoas que as descobrem sabem-no: um dia alguém, baseado numa verdade descobre outra verdade. Isto não acontece com as opiniões: é por isso que nós podemos ler as opiniões de um filósofo grego, mas as suas “verdades” só interessam aos historiadores da ciência. Isto significa que as verdades são dinâmicas e as opiniões são estáticas.

Porque é que é importante saber diferenciar uma verdade de uma opinião? Afinal de contas há milhares de pessoas que confundem as duas e não são menos felizes por isso. É preciso, primeiro porque sofremos - e fazemos sofrer - mais quando ouvimos -ou emitimos- opiniões do que quando descobrimos ou partilhamos verdades. Além disso, como tão bem o diz Cioran, é díficil viver com as verdades - mas é melhor pela simples razão que sem as verdades não se vive, morre-se: “Les "vérités", nous ne voulons plus en supporter le poids, ni en être dupes ou complices. Je rêve d'un monde où l'on mourrait pour une virgule.”

Podes construir as tuas verdades (a verdade é uma palavra esquisita que não tem singular...) como se fosse um Lego do qual as peças são as opiniões: algumas encaixam nelas, outras não - e com as mesmas peças constróiem-se verdades diferentes. Não obrigues nunca aqueles que te rodeiam a utilizar as tuas peças para construir as verdades deles - e não aceites as opiniões deles para construir as tuas verdades. Aceita-as, isso sim, para as comparares com as tuas. E sobretudo lembra-te de que se as tuas verdades são melhores - é por isso que as tornaste tuas - não são mais "verdadeiras": as dos outros têm tanto direito de existir como as tuas. Porque para eles elas são melhores do que as tuas.

Daqui poderíamos passar para as opiniões: fica para outro dia.

... Não ficou. Descubro a carta agora, oito anos depois de a ter escrito e não ter enviado.


Adenda: - Ligeira e insuficientemente editada

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