Só recebo piropos quando sou fotografado pela Graça Ezequiel. E mesmo assim associam-me a um cantor local ou a uma das suas cançonetas com pretensões.
Forçoso é reconhecer que não me importaria de receber um ou dois piropos mais - por mês, já não digo por semana -.
Mas é igualmente forçoso reconhecer que se ouvisse vinte piropos por dia, e desprovidos da graça (e da Graça, claro) talvez gostasse menos de os ouvir e esperasse pelo próximo com menos ansiedade. Ou seja: de certa e invejosa forma compreendo as senhoras e os maricas que querem limitar a quantidade - ou aumentar a qualidade - dos piropos que ouvem quotidianamente.
O problema que vejo nisto é mais de ordem prática. Como legislar? É proibido dizer piropos se não forem acompanhados por fotografias da Graça Ezequiel e por referências à música popular indígena?
É proibido dizer piropos se forem notoriamente falsos, mesmo se apoiados em fotografias da dita - e simpática - senhora (não a conheço pessoalmente, mas quem faz fotografias daquelas de mim não pode ser má pessoa)?
É proibido dizer piropos se não puderem - ainda que falaciosamente - ser associados a cantores e canções mediocres?
Como proibir uma pessoa de manifestar o seu mau gosto ou, mais frequentemente, a sua falta de educação, tacto, sensibilidade, jeito ou - pior - esperança?
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Na mesa ao lado da minha está sentada uma senhora que sem ser bonita é linda, aquele linda que nos levaria ao altar sem passar pelo hotel (isto é para ser dito em francês, claro). Falam - ela e o casal que a acompanha - de viagens. Profusão de viagens. As dela (fala no plural. Aposto que tem um namorado), as dos amigos, as do casal e respectivos amigos e assim por diante. Quando me fui embora ficaram provavelmente a discutir as viagens do papa ou as de algum condutor de comboios que calhem conhecer.
Estou a reler Fernão Mendes Pinto e não posso deixar de pensar na atracção que os portugueses têm pelas viagens.
Eu não aspiro a nada mais do que uma quinta em Almada - em Mértola, se possível - e pergunto-me se viajar de turismo é viajar.
Acho que não. Só se viaja verdadeiramente quando se é cativo, vendido, escravo, amaldiçoado.
Ou bendito, mas isso é outra história.
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Entre apanhar um comboio mais cedo para Lisboa e comprovar uma vez mais a existência de Deus optei por esta última (vou fundar um ramo da teologia chamado teologia gourmet). Não existe, nem mesmo quando cozinha no restaurante Aleixo: o peixe galo estava perfeito e a açorda de ovas também. Mas não estavam divinos.
A única coisa divina foi a já mencionada senhora, com ou pela qual eu iniciaria muito rapidamente uma carreira estática e sedentária em teologia estética, idolatria sensual ou até conversaria sobre viagens.
Se ela quisesse, claro. Não sou de piropos.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.