Não me preocupa muito acabar 2014 sozinho e sem dinheiro: não há razão nenhuma para que o fim do ano seja diferente do resto dele. E se comparar este com o anterior vejo que estes doze meses foram aquilo que prometeram. Recuperação.
Há um ano estava no Mindelo, sem um chavo no bolso e com uma tripulação de merda (um armador doente mental, um cobardolas nojento, uma gaja que não comia senão coisas cruas e não se lavava com sabão havia mais de três anos. Só se safava um jovem catalão educado, articulado e culto).
Este ano não tenho dinheiro mas sei que o vou ter assim que resolver os problemas burocráticos que a legislação francesa impõe; tenho um trabalho pelo menos por mais uns dias – e provavelmente resolverei a burocracia a tempo de continuar a trabalhar para aquela empresa –; e se estou sozinho é porque não faço esforços especiais para não estar.
Enganei-me a avaliar um gajo que em troca me enganou em alguns milhares de dólares; e não voltei para Portugal, como queria, também por uma questão de dinheiro. Tive alguns problemas de saúde, mas estão resolvidos. Parece-me pouco para estragar um ano que na verdade foi bom nas coisas importantes: o trabalho, as amizades, o futuro.
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São seis da tarde. Acabo de comer o “especial fim-de-ano” do Pollo Loco, que em breve fechará. O Lagoonies também fechou. Ambos até sexta-feira. Pouco me resta para além de ir para a cama e começar uma tradução que já devia estar pronta. Mas antes disso compro uma garrafa de vinho no chinês, aberto como habitualmente até às nove (segundo me disseram não liga às festas ocidentais: só respeita os feriados chineses).
Parece-me bem: a vida de cada um não está necessariamente no fuso horário onde vive.
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Amanhã vai ser o primeiro dia sem trabalho desde terça-feira passada. Enfim, trabalho físico: vou tentar fazer pelo menos um terço da tradução. As condições são ideais: Lagoonies fechado, pouquíssimo dinheiro no bolso e ninguém para me distrair. Ou atrair, talvez.
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J. quer vender um dinghy velho e pediu-me para o pintar. Apliquei-me – é a primeira vez que pinto um RIB e queria que o resultado ficasse bom -. Ficou e ele já não o quer vender. A próxima tarefa vai ser instalar uma bomba de fundo no C.. Segunda-feira vai para a água e fico com um sítio para viver, pelo menos enquanto J. não decidir ir fazer uma viagem pelas ilhas. Já não navega há muito tempo e tem vontade de ir passear um bocado.
Está com setenta e oito anos. Não vai fazer muitas mais, penso. Quando o comparo (ele e, verdade seja dita, mais dois ou três) aos armadores com quem naveguei ou para quem trabalhei estes últimos anos fico optimista. A roda gira, a maré muda, o vento ronda.
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E depois há pequenos prazeres que não deixam de o ser por serem pequenos: o Ernesto foi para Miami e estou sozinho no quarto. Parece - isto está nos pequenos prazeres porque ainda não confirmei - que ter tido malária imuniza contra a chikungunya. O Fernão Mendes Pinto avança - mais um que a confirmar-se muda imediatamente de categoria -.
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Boa noite e bom ano, Don Vivo.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.