5.1.15

Diário de Bordos - Cole Bay, St. Maarten, Antilhas Holandesas, 05-01-2015

A prelecção de hoje de Francesco começou com uma defesa acérrima das denominações de origem controlada: ofereci-lhe vodka de uma garrafa que vinha de um dos barcos. As empresas de charter gerem diferentemente os restos das provisões dos clientes. A que gentil mas algo ambiguamente me acolhe no seu seio faz um monte e divide-o pelos empregados. Na partilha coube-me uma garrafa de vodka já meia - ou ainda meia, depende da perpsectiva -. (Ambiguamente é injusto. Já encontrei uma maneira de ser pago, apesar de saber que vai levar algum tempo e que até lá terei de navegar em árvore seca).

Francesco acha que aquilo não é vodka. Viu o rótulo, contrariamente a mim. E descobriu que não vem de um dos países que na sua opinião têm o direito de fazer vodka.

Na verdade não sei de onde vem, Nunca me dei ao trabalho de não respeitar um velho provérbio portugês que fala de dentes e de cavalos oferecidos.

Da vodka passou ao vinho. Não uso o singular por acaso ou facilidade. Falou de vinhos franceses, explicou-me a diferença entre vários tipos de vinho da Emilia Romagna - dos quais creio que vou gostar do Amarone - defendeu os vinhos franceses apesar de achar que são menos variados do que os italianos. Do vinho foi fazer uma visita à cidra e ao sherry, não me lembro bem por que ordem (e não, hoje não estou bêbedo).

Até aqui tudo bem. Estava a fritar peixe em azeite de gengibre e alho, a cozer grão-de-bico (a única leguminosa erótica da natureza). Francesco falava, eu dizia que sim, fui comprar vinho ao chinês e ele continuava a falar. Pelo menos apercebeu-se de que eu nao estava: quando voleti disse-me que baixara o lume do azeite durante a minha ausência.

Foi mais ou menos quando já tinha quase acabado de cozinhar e estava a preparar-me para comer que comecei a entrever uma certa confusão nas opiniões do jovem - "quase quarenta" (a propósito da vodka) -. [Vi agora que foi feita no Texas e custou quase vinte e cinco euros, preço exorbitante para uma garrafa de álcool em St. Maarten]. Explicava-me então que a cidra era feita de uvas que só crescem na Escócia e mais meia dúzia de países.

A vodka texana é boa. E não é por não ter sido eu a pagá-la.

O pior foi quando Francesco passou das DOC para a Europa. Tem ideias confusas sobre o assunto e deixou-me baralhado. Não sabia como explicar-lhe que ouvir as suas opiniões sobre a União Europeia não era a minha prioridade.

Uma vez mais o Don Vivo salvou-me. Comecei a escrever este post e para aí no terceiro parágrafo Francesco despediu-se, Eu disse-lhe "Boa noite, desculpa tenho uma coisa a escrever" e pronto.

Fico com a minha vodka, apercebo-me de que comprei um branco que detesto (e vou ter de beber, isto não está para desperdícios), preparo-me para me ir deitar. Não estou cansado, finalmente. O ritmo do trabalho foi calmo e aprazível. Mas ontem dormi pouco - problema que atribuo a não ter visto o preço da vodka - e ainda tenho de ir tomar o duche da noite e lavar a loiça (pouca. O grão-de-bico também é erótico porque não exige muita loiça).

Enfim. Seja pelo que for vou deitar-me à hora habitual e dormir como é habitual. Amanhã tenho outro dia de trabalho, A empresa de sonho que mo proporciona tem o mesmo objectivo do que eu - pôr-me no mar o mais depressa possível -.

Não fora a horrível notícia com que comecei o ano seria um homem feliz.

Mas isto dos ciclos é assim. Pouco há a fazer. Quando há vento pela proa há que bolinar. O resto é conversa de bar de clube náutico.

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A música do Lagoonies é muito boa, mas não é adequada para quem sai de um dia de trabalho, mesmo calmo. A relação do rock da minha adolescência com o tabalho é ténue; e cansativa.

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Por baixo da Little Crew House - e, manda a verdade que o diga, de uma forma totalmente autónoma desta - funciona uma pequena banca de venda de erva e crack. Passo por ela cada vez que vou tomar banho (refiro-me ao duche da noite; no da manhã a banca está deserta).

Os rapazes que a mantêm são simpáticos e já perceberam que só gosto de derivados de uvas, açucar e cereais. Desejam-me educadamente uma boa noite e, por vezes, oferecem-me um copo de rum.

O qual recuso. Não por falta de educação, espero que eles o compreendam.

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