25.4.15

Diário de Bordos - Red Frog Marina, Bocas del Toro, Panamá, 24-04-2015

Panos todos envergados - genoa (não  é uma genoa, é um yankee), estai, grande e mezena. Balancine - como se diz isto em português? Balancine. Topping lift? - na grande; e lazy-jacks. Amanhã vão as da mezena, e chega G., o tripulante polaco.

Bocas - ou melhor, Red Frog - é isto: trabalhar, Palmar, comer e dormir. Não é difícil ver o que está errado: falta muita coisa. Mas o que lá está é tanto que um gajo nem se apercebe. Pensa que tem tudo.

Por isso, entre o jantar e o dormir ouve as Vésperas de Rachmaninov: precisa de certezas e é nas dúvidas que elas se escondem.

Não há certezas, claro: a noite está demasiado escura, continuo sem saber por onde vou furar o arco das Antilhas, começo, muito aos pequenos passos a gostar do bote (já me aconteceu não me lembrar que é um ferro-cimento) e antecipo o que me espera como um puto espera o Natal.

As Vésperas de Rachmaninov são o complemento directo dos Cânticos do Êxtase de von Bingen: um arco de oitocentos anos. A dúvida em que estou agora - por onde vou passar? - é mais recente: cinco séculos.

Se tudo correr bem passo pelos Miskitos, com os quais há tanto tempo sonho, e por Cuba; e se tudo correr bem não passo por aí e vou directo à Mona Passage. É um problema irrelevante, no fundo. O que alguém escolhe por ti está escolhido. E esse alguém ouve, como tu agora, Rachmaninov e como tu agora está-se nas tintas: vais passar por onde puderes passar.

No fundo não é isso que te atormenta. É o cheiro a mar, o cheiro a casa.

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Amanhã é o 25 de Abril. Poucos dias depois há quarenta e um anos houve uma manifestação em Lourenço Marques. Misturei-me a ela e perguntei às pessoas porque estavam a manifestar. Disseram-me que vinha um governador novo.

Não é daí que vem o meu cepticismo. Já vinha dantes. Mas foi muito provavelmente nesse dia que me ficou marcado a fogo.

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Acontece que numa noite destas não se pode ser céptico: não há melhor antídoto para a descrença do que uma noite negra e sem vento.  Isso e o Novo Mundo de Dvorak interpretado por Karajan.

É de chorar e não há cepticismo que resista a um chorrilho de lágrimas.

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