A Cachaçaria Baptista tinha um equivalente na Lisboa de setenta e quatro. Não me lembro do nome. Era perto do Martim Moniz, na rua de S. Lázaro, à direita quando se sobe.
Esta também desaparecerá, cilindrada pela modernidade e pela ganância. Baptista recusa terminantemente que se tirem fotografias e se cuspa no chão (há uma tabuleta de cada lado do balcão: "Por favor não cuspam no chão e não tirem fotografias". É pena: aquilo é lindo, com as prateleiras encurvadas sob o peso das garrafas. Goiaba, Coco, Gengibre (a minha favorita), Acerola, Hortelã, Pêra, Graviola - todas arrumadas, ordenadas, datadas. O efeito visual é fascinante e ampliado pela figura de Baptista lui-même: pequeno, sempre de branco, elegante chapéu de palha atarrachado à cabeça, pera. Um senhor.
Baptista justifica a sua recusa de fotografais com uma explicação que me parece tão legítima como insuficiente: "isto é um negócio e tem as suas regras". Deve haver qualquer coisa por trás, mas enfim.
O problema fica resolvido: que se lixe a fotografia. Bebo o meu "gengibre" - um decilitro custa dois reais, menos de um euro - e absorvo o que posso. O que não posso fica para depois.
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M. (não faço de propósito. Têm a mesma inicial) leva-me a um evento musical, uma homenagem a um professor de música que morreu há meia dúzia de anos e no qual ela foi contratada para tirar fotografias.
Toda a gente se conhece - podia estar em Mértola, ou numa aldeia qualquer do interior de qualquer país do mundo -; a diferença está na parte da população ao qual "toda" se refere, claro.
O nível musical é altíssimo - deixei de dizer surpreendentemente porque já estou habituado, mas na verdade é admirável - e a beleza e sensualidade de "toda a gente" também. O Brasil tem decididamente a burguesia mais bonita e mais sensual do mundo.
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E vejo que estou definitivamente em modo partida: oiço os músicos, olha para a sala cheia de mulheres bonitas e penso na rota que vou fazer à saída de Bocas.
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Dia de fazer a trouxa e zarpar. Fiz uma grande limpeza nos papéis e seleccionei cuidadosamente o que vou deixar em S. Luís: equilíbrio delicado entre importante e dispensável.
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.