Prefiro o passado e o futuro. O presente é uma fábrica de cansaços e um manancial de expectativas. Dúvidas. Um candeeiro a petróleo que oscila como se tivesse vida - tem: o mar por baixo e o vento por cima -. Um navio encalhado num paraíso tropical - já alguém ouviu falar de um paraíso polar? - Sibelius massacrado por Gould. Ressuscitado - cada nota com um pingo de chuva -. Uma mulher a quem se diz adeus antes de se ter dito olá, estranha assimetria a acrescentar à diacronia da noite. O rum é Flor de Caña, tem a cor e o sabor da luz.
Uma nuvem cheia de chuva passou mas fica porque Gould continua às voltas com Sibelius, uma nota de cada vez. O candeeiro a petróleo não pára de abanar, completamente fora de ritmo. É preciso dar sentido ao tempo, como se fosse possível dar ordem ao vento.
Penso em mitos. Que seria da humanidade sem eles? Human kind can not bear too much reality. Penso nos tempos do tempo: muito mais do que a soma dos meus passados sou a soma dos meus futuros. A diferença entre o passado e o futuro é que um é uma prisão e o outro também. Les prisons se suivent mais ne se ressemblent pas. L'on saute de prison en prison avec la joie du Prisonnier qui aurait réussi à s'échapper pour tomber dans la prison d'à côté. Ao contrário do que se poderia pensar a felicidade não está entre as prisões, mas nelas.
Nas assincronias: num candeeiro que se abandona sem ritmo. Ou melhor: a um ritmo que não se vê, só ele sente. Os tempos do tempo: dois corpos deitados lado a lado. Dois passados, dois futuros, por mais que se pretenda o contrário. Duas prisões. Duas felicidades. Um tempo, muitos tempos.
(Para a ACR, maestra ex-tempi).
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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.